Buk Quatro Olhos subiu pelo mastro com uma boa agilidade. Se agarrava pelas cordas e usava seu peso pra controlar o impulso. O jovem acabara de completar seu 16° aniversário e pôde escolher entre ir com os mais fortes e corajosos tentar capturar as bruxas-sereias ou ficar no campo, com outro tipo de afazeres. Não pensou muito, desde que nasceu e que se lembra adorava estar com a luneta e subir nas árvores para brincar de pirata e avistar a próxima ilha do tesouro. Gostava de contar histórias, coisa que vinha herdada de seus dois tios e de uma avó que fazia segundo ele, o melhor pão de queijo de todos os tempos.
Agora usava o objeto de longo alcance para tentar achar algo além daquele infinito horizonte azul. Muito azul. Sabe qual é a sensação de ser o primeiro a ver algo naquela linha fininha lá ao longe, quase não se diferencia um navio petroleiro de uma ilha. É como se o tempo passasse mais lento, que você vê por fotogramas. Mas não pode piscar, ele dizia entre risadas, senão vai perder o movimento e quando assustar ele estará fora de alcance de visão.
O comandante da Frota Nacional andava de um lado para outro naquele pequeno salão de oficiais, onde o jovem grumete Buk estava sendo digamos, entrevistado por ele e mais dois outros oficiais de alto escalão, sendo um deles do Principal Comando da Nação. Puxava seu fino bigode que adornava com o cavanhaque pontudo, e soltava uns Hmms em meio as perguntas. Você disse que aconteceu alguma coisa, você se lembrou de algo não foi meu pequeno menino? A forma como as palavras chegaram aos ouvidos de Buk fez ele gelar o sangue e sentir seus poucos pelos eriçarem. Sabia que não podia mentir, ele realmente se lembrou daquela figura apavorante, todavia muito sedutora, que com um olhar, deixou ele paralisado acreditando que era amor.
A 3 semanas ele foi pela primeira vez para dentro de um barco. Sonhou dia e noite com esse momento e se preparou muito para subir no mastro com estilo para que os oficiais e demais tripulantes vissem que não era um marujo bobo que havia acabado de chegar pro serviço. Ele fora introduzido com um discurso breve e algumas piadinhas sobre a idade e seu corpo magrelo, mesmo assim de boa estatura para sua idade. Não jogava basquete no time da escola por que ao invés de estudar numa sala de aula preferiu estudar ao ar livre, com outros marujos, velhos rabugentos que contavam histórias verdadeiras e mentiras deslavadas, que no fim das contas eram boas lições para aquele que tinha juízo de entender o que estava nas entrelinhas daqueles contos.
Relatou sua história e sobre o terrível ataque que sofreram. Algo tinha que ter avisado as bruxas-sereias que estávamos ali, por que foi tão de repente, eu tinha acabado de descer do mastro, não havia visto nada por 45 longos minutos, e decidi fazer uma boquinha, afinal já ouviu sobre escorbuto, não é mole não, aquilo mata! Foi quando sentiu a pancada de um pedaço de madeira que havia voado do convés. Ele desmaiou no mesmo minuto, e ao voltar ainda ouviu parte da confusão. Tentou se levantar e cambaleando foi até a escada que dava acesso a proa. Viu tudo revirado no chão, as especiarias que estavam estocadas, alguns sacos de frutas, barris de água e cerveja, varas de pesca partidas em vários pedacinhos e linhas e cordas, tudo embolado e enrolado. A bruxa sereia saiu de trás de um pequeno balcão de estoque. Ela me viu e se atirou em mim tão rápido que não pude reagir. Senti as unhas rasgarem minha barriga e só consegui gemer de dor. Quando nos encaramos, juro senhor, eu senti um nada tão… Ele olhou para os homens com a boca aberta mas não saia nenhuma palavra. Tinha ficado mudo por que era essa a sensação, sem forças contra algo que não entende. Sei que ela viu o meu medo, sentiu aquilo. E me jogou para o outro lado, bati minha cabeça e desacordei até me encontrarem naquele momento. Creio eu senhor, que se não fossem por vocês, eu estaria morto.
O comandante e os oficiais trocaram olhares e ele soltou um leve sorriso amarelado para o garoto. Qual o seu nome mesmo, perguntou já dando outra volta em seu corpo para continuar sua caminhada pelo pequeno aposento. Eles me chamam de Buk Quatro Olhos por causa dos meus óculos senhor, eu aceito por que sei que sou novo ainda. mas quando eu crescer, terei o respeito deles, tenho certeza que um dia trarei um rabo de sereia, não, de uma bruxa-sereia para mostrar que eu tenho valor. Apesar da aparência frangalha ele possuía valentia em seus olhos e gente determinada costuma viver uma vida de mais emoções fortes. O risco daquelas jornadas que ele tinha escolhido já lhe mostrara no primeiro encontro como você deve estar atento para lidar com uma situação tão comprometedora. A vida de todos foi ceifada, fora você, meu garoto sortudo, ninguém mais viveu para contar o que viu. Vamos, desembuche logo. Quando acordei não a vi mais, mas antes do meu ataque, ela segurava um pequeno baú cravado de pedras e um diamante do tamanho de meu punho fechado com uma caveira na frente, para abrir com uma chave, creio eu de aparência antiga. Você não precisa opinar rapaz, só nos conte o que aconteceu e damos por satisfeito. Um dos oficiais cortou a forma prolixa com que Buk desenvolvia seu modo de contar histórias, em certo ponto, afinado dando tempo para rirmos ou sentirmos curiosidade. Mas se enrolar muito, fica chato!
Ela jogou o baú e me atacou, logo depois desmaiei. Não sei se pegou o baú. Os homens se olharam e um deles saiu as pressas. Voltou em seguida com mais um outro oficial que foi quem achou Buk desmaiado. Vocês procuraram ou viram algum objeto que chamava a atenção, pelo brilho que tinha. Os homens trocaram olhares ansiosos e o oficial respondeu que ele e seus homens não haviam encontrado nada.