Sotaques

Ela era um pouco mais alta que ele, aquele estilo de morena jambo com os cabelos bem pretos e a pele brilhante. Tinha os traços marcantes, apesar que não sei te pontuar quando uma beleza é diferente. Ela era uma menina nas suas curiosidades e receios, e um mulherão lindo que ali parecia saber de sua força sensual, no poder de seu sotaque espanhol. Tinham amigos em comum, a aproximação entre eles foi natural e de repente ficaram grudados a noite inteira, sentados primeiro lado a lado e depois de frente um para o outro naquela calçada. Se olhavam e se perdiam em suas conexões. Risadas acompanhadas de interesses iguais fizeram aquela noite durar mais, expressões em línguas diferentes, duvidas trocadas com carinho, e por ele poderia ter durado mais ainda. Apesar das amizades, de ser muito bom conhecer tantas pessoas diferentes, você vai encontrar pessoas que vão te hipnotizar pelo caminho. Parece que nada ao redor importa, nem o local onde estão, se tem pessoas ou não, nem se não falam o mesmo idioma, tudo desaparece, só importa aquela afinidade. O assunto, o jeito da pessoa, às vezes é na descontração e não o visual, às vezes é em como se responde uma pergunta com interesse. Tem gente que se torna gentil querendo atender a vontade alheia, tudo para estender aquele instante, fazê-lo mágico e único. O problema, se é que existia, era para ele. Você pode ser gente boa com qualquer pessoa, sempre haverá interesses. Mesmo que no início seja amizade, é a forma como se entrega à ocasião que nos diz se vamos nos relacionar além ou não. Os detalhes que são fornecidos conforme a sequência daquele papo descontraído seguia mostrou para os dois os limites, ele percebe que ela é comprometida e fica um tanto triste, pois aquela entrega, dos dois lados, havia muita energia, havia uma vontade comum. 7 bilhões de pessoas, tantos e tantos amores. Ele conhecia o jovem namorado dela, um cara gente boa que tocava um violão fino numa esquina de um supermercado no litoral. Os dois viajavam juntos havia 4 meses, saíram do país vizinho, e se aventuravam pelo Brasil. Depois de uma carona divertida para o carnaval carioca, a casualidade colocou-os no mesmo lugar. Ela lhe tocou a perna pedindo um trago do cigarro. Como fazemos pra trocar contatos? Ela tinha um sorriso lindo no rosto e disse pra ele lhe procurar em uma rede social dessas que viajantes usam muito. Foi um encontro bem rápido, ela estava acompanhada e de saída. E no momento de partir, ao se despedirem, se abraçaram tão forte que ele pode sentir a maciez de seus seios, o cheiro doce de seus cabelos e em seus ouvidos a expressão “un gustaço!”

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Início ou Fim…

Nunca sei se é o impacto de não sabermos o que esperar, nem o que vai acontecer, e muito menos “conhecer” em noites como aquelas… Ela chegou trazendo algumas cervejas e nos convidou a tomar. A casa não tinha um tapete e todos se reuniram em volta daquela caixa de verdura que fazia vezes de mesa de centro. Acenderam cigarros e dois baseados. Ele estava recostado num pufe que dava de frente para o pequeno corredor de entrada do apartamento de sua amiga. Havia mais dois outros amigos e mais uma terceira amiga, éramos em seis então. Ela me viu e entrou tímida, com um leve sorriso e se apresentou. Deus que mulher bonita. Estava com seus vinte seis anos e tinha uma pele tão lisa e firme por sua magreza, e aquela cor entre branca e queimada de sol… Olhei para ela por muitas vezes durante a noite. Em alguns momentos senti o olhar dela sobre mim, ela sorria, dançava leve, provocando contudo sem ser vulgar. Não precisava, seu corpo esguio balançava feito cobra e meus olhos acompanhavam seus movimentos e eu também sorria para ela. Quando sabemos o que pode acontecer, senão apenas viver esses momentos e torcer para ter a sacada certa e levar essa gata linda para cama. É o que ela quer? Hoje me pergunto o tempo inteiro sobre os interesses das pessoas, pois é assim que nos conectamos, eu me interessei em conhecer aquela garota pelo seu visual, pelo seu sorriso, pelo seu papo, pela sua desenvoltura, por sua timidez não contida, por ter atitude de mudar por algo que nem sabe o que, e ela me disse, sem muita firmeza, que tinha um namorado… Aqui você pode pensar, começa ou termina um novo ciclo de amor?!

Encontros rápidos e casuais

Encontrei com essa garota cheia de tranças coloridas na cabeça num pequeno túnel onde um saxofonista fazia um belo som. Ela estava encostada na parede, olhava perdida a música, olhava perdida o tudo… Sentamos um do lado do outro após ela rodear um tempo. Visivelmente maluca, não entendi em que momento ela estava na terra ou em algum outro sistema planetário… E às vezes ela soltava um sorriso enorme, arregalava os olhos e a gente conseguia se entender. Disse não fumar maconha, mesmo assim com um jeitão de chapada, como uma criança ingênua, dessas que fazem amizades com qualquer um no parquinho, ficou ali conversando comigo, dizendo esperar por alguém, ou por alguma coisa que pudesse acontecer, mas sem se preocupar, simplesmente levando. Se fôssemos mais assim, teríamos mais sorrisos sinceros e amizades puras como as infantis, como o sorriso da garota de trancinhas coloridas.

O Manifesto de Sara

Ninguém sabe o que tem do outro lado, ninguém voltou para contar, alguém acredita 100% em psicografia, por que mesmo os espíritos não nos falam como é… Se é que falam… E dai me pergunto por que escolhem o que escolhem se não gostam de nada disso… Vamos pra onde e quando, só importa se o caminho for bom, tem que ser! Sara acabara de perder os pais, estava desorientada até encontrar sua tia Helen, ao qual muito se afeiçoara. Ela sentiu o celular vibrar, estava no metrô ouvindo música baixinho e olhando para o “nada”. A voz meio abobada, meio abafada, pedindo para ela ir ao Hospital Geral da Cidade. Mudou o percurso e chegou quase uma hora depois por conta do intenso trânsito. E ao vê-la a tia pôs-se a chorar. A menina então foi forçada a virar adulta. Agora era uma mulher aos 17 anos de idade.

Notas sobre tudo ser uma coisa só, assuntos que teoricamente são distintos e as pessoas não visualizam as conexões, e só depois de mais velhas, no limite do que chamamos de ter vivido, se percebe isso. Leio sobre pessoas idosas falarem em seus leitos de morte que deveriam ter vivido mais, no sentido de fazerem mais coisas que gostavam, de ficar mais com as pessoas que lhes faziam bem e vice-versa, sobre experimentar diferentes coisas por que depois, esse tempo que é ínfimo e passa super rápido, não se recupera, estamos indo sempre para “frente”, olhamos para frente, e esse tempo do agora, se torna ansiedade, doenças modernas pela falta de controle que temos, por não entender que uma hora vai acabar, essa passagem se chama assim por isso, por que simples, passa! Nesse momento em que fritava um ovo para comer com um pão já murcho, 3 dias após se sentir a pessoa mais sozinha do planeta, Sara também constatou-se minúscula, que aquele lugar era grande demais só para ela. Olhou para o sofá da sala onde curiosamente não havia uma TV, sem os pais falando como loucos, às vezes brigando, às vezes rindo ou conversando agitados enquanto tomavam um vinho, ela lembrou e lembrou e as lágrimas desceram quietinhas.

O quanto é difícil você querer separar seus sentimentos, suas personalidades, suas próprias expressões, daquilo que você acredita que você é… E no que você acredita… No entanto ela teve culhão, assustou-se em reconhecer seus muitos preconceitos, julgou-se antes de ir para o jogo da vida rotineira de Cidade Grande, entretanto não demonstrou sinais de fraqueza, não abaixou a guarda, decidiu se emancipar. Tia Helen não era uma pessoa muito preocupada, muito pelo contrário, vivia de bem com a vida e passava pelas adversidades com um jogo de cintura e um sorriso que a deixavam uma criatura linda. Você tem que entender a responsabilidade que tem agora Sara. Segue suas escolhas mas lembre que cada uma delas terá duas opções, no mínimo. Com tanta coisa pra se definir, sugiro que você tente sempre pensar com carinho para solucionar seus problemas. Apesar de fácil de ouvir, dominar os sentimentos nunca esteve nos planos de Sara. Ela gostava de emoções fortes, pediu de aniversário de 15 anos um salto de para-quedas e conseguiu convencer o pai de ir junto.

Por que não se pode viver só de emoções, por que demonstrar sentimentos é algo tão complicado… Queremos que robôs sintam, pensem e entendam por si próprios e nos gabamos de criar a inteligência artificial, mas não queremos mostrar nosso choro, nosso carinho, nosso desejo, viver sem medos, sem pudores, sem julgamentos… Por que não sei mais de amanhã, e ninguém me comprova que as coisas não são únicas, suas origens, nossas origens, de um grão de areia a uma barra de metal criada por seres humanos, que chamamos de não orgânico, de científico… Tudo está ligado, veio do mesmo lugar, junto com a prepotência e a hipocrisia. E voltará para o mesmo lugar até que se prove o contrário. E já que ninguém voltou pra falar, oi aqui do outro lado é bem legal… Do outro lado? Que lado, que direção, que confusão de sentimentos!!! Sara se aconselhou mais uma vez com sua tia Helen, e depois de muito conversarem ela chegou a duas conclusões. Primeiro venderia a casa e iria viajar. Segundo, para os preparativos iria procurar uma terapia, algo que pudesse desopilar sua cabeça cheia de ideias e pensamentos estranhos desde o incidente, com uma pessoa totalmente alheia a sua existência até então.

Uma vez a noite, pensou ter sentido uma presença em seu quarto. Ela havia trancado o quarto dos pais, depois de colocar todos os objetos pessoais em caixas, deixando apenas a mobília no lugar, e guardou algumas fotografias. Passara um mês, recebeu visitas de sua tia e algumas amigas do colégio. Iria sair pela primeira vez de casa por decisão própria. Mesmo que seja forçada, mesmo que eu só queira me enfiar debaixo das cobertas e me sufocar, preciso entender o que está acontecendo comigo. Nesses tempos dois monstros tomavam ou tentavam tomar forma de uma maneira mais constante para Sara. Tristeza e Medo eram feios, disformes, sinistros. Ela não conseguia entender suas visões, achava que estava delirando, porém conseguia sentir a presença como se eles fossem… pessoas. Aos 14 anos gostava de um garoto da escola. Ric era o apelido e ele já tinha aquele jeito canastrão de se vangloriar-se para as meninas. Sara e Ric estudaram na mesma sala e faziam aulas de laboratório de ciências juntos. Nunca soube explicar o ocorrido para sua mãe quando essa foi buscá-la após uma ligação do diretor, e teve que assinar um documento com uma suspensão de 3 dias para que sua filha pensasse no que havia feito e tentasse se controlar em momentos assim. O ciúmes foi tão intenso que se manifestou, ela não se lembra direito, contudo ela viu um tigre azul gigantesco ficar apoiado nas patas traseiras e soltar um tapão no rosto daquela menina nojenta que não me lembro o nome. Sua mãe procurou um psicólogo, mas não durou muito, ao ver que a mãe seguia caminho em seu carro após deixá-la na porta do consultório, Sara não entrava no prédio, ia para o outro lado da rua e seguia caminho até uma praça, onde deitada na grama chupava algumas balas e contava nuvens.

Sara…

É para escrever a história dessa garota de cabelos pretos e compridos. Não dá para negar o refluxo, como desandou essa semana para uma produtividade quase zero… já foi assim em outros lugares e você se deu muito bem, com pessoas que você nem conhecia, então por que agora seria tão diferente assim? Num era o tal futuro “agora” acontecendo e eu sendo feliz compartilhando felicidade alheia, todo mundo colorido como um arco-íris? Gosto disso cara, de verdade… como curto preto e branco também, e sei que períodos de secas são necessários para a valorização; alheia também!

Como várias espécies que se dão bem, infinitos exemplos entre os insetos, principalmente aqueles que o próprio homem já criou…

Tenho um pavor absurdo de baratas e nunca havia pensado nisso até hoje… ele olhou pra ela com expressão de perplexidade, os olhos arregalados não acreditavam que ela tinha alguma fobia sendo tão nova… todos já têm; têm pessoas mais novas que eu que já têm essa porra toda… Ele ri do jeito esculachado dela e gosta do que vê. Por que ela não é linda, e está longe de estar feia, e tem esse jeito todo largado que só quer perguntar e saber e experimentar sobre tudo e tudo mesmo, por que é jovem e blábláblá. Você já viveu isso, sabe o que estou falando então. Ao mesmo tempo irritante e cativante. Não tem como resistir e é um tipo de hipnose, aquilo te renova, te faz bem, não é uma questão de idade ou idolatrar a juventude, se você tem um mínimo de experiência sabe que vai poder tirar mais prazer das coisas que faz.

Sara havia procurado ajuda de um terapeuta ou alguma dessas coisas que misturam exoterismo, ou estilo de vida… não entendi direito, ela disse sem muita certeza sobre o que estava procurando, mas um tanto entusiasmada com a figura dele. A convicção da idade é uma coisa linda de se ver. Depois que passa por diversas, digamos aventuras em sua vida, mesmo que seja ser caixa de qualquer coisa, qualquer tipo de comércio aleatório que seja, ela tinha certeza que ele ficou interessado nela pelo próprio jeito dela mesmo. Malditos, ou seria melhor, benditos escorpianos. Não tenho nada contra nenhuma profissão, a pessoa escolhe o que quer fazer, mesmo quando tem gente que fala que a vida levou para outro caminho e ela não se permite ir além daquilo que já faz, e fará provavelmente por uns 40 anos. Sara olha pra ele incrédula, fica mais curiosa ainda. Uma situação que já ocorreu com ele diversas vezes, e com personagens variados. Ele sempre gostou da aventura, mas tinha suas opções como qualquer ser humano as tem. Sara calçava chinelos de dedo e usava um jeans surrado com um moleton cinza por cima, o capuz escondendo um pouco dos cabelos. Tinha um sorriso enorme. Desafiava-o tirando com um sarcasmo incrível, uma inteligência como se diz, aguçada de esperteza, não era só não saber, mas às vezes, sabia que estava atuando para ter aquilo que precisava ou que acreditava querer, como uma informação que seja.

Sara seduzia e gostava muito disso. Não era a mais popular nos tempos de escola, mas acabou. E tão rápido ela poderia estar numa sala de aula de alguma faculdade particular, inclusive exterior, poderia escolher qualquer outra coisa. Algo não muito comum, no entanto conseguida por conta de uma verba considerável fez com que ela tivesse emancipação aos 17 anos, agora tinha uma poupança bem gordona, e uma fome de lobo cadavérico, desses que não vê uma presa há dias, e está sedento, no caso dela, de conhecimento puro.

Divina seja a curiosidade humana, a garota que ia a terapia uma vez ao mês, no terceiro encontro sugeriu que devessem ter mais tempo juntos, se quiserem experimentar algo juntos, criarem algo juntos, serem algo juntos.

Sara contou para ele de seu problema. Depois que perdeu os pais no acidente, seus sentimentos se tornaram mais fortes, eles estavam se manifestando fisicamente. E ela podia interagir com esses seus sentimentos. Não tinha controle, e nem sabia se queria ter, no começo assustada por visualizar a coisa toda, e com o tempo o convívio deixando fluir seus monstros interiores, ela conheceu outras aberrações internas e deixou todas pularem pra fora de seu ser. A fúria com que o ciúmes dela veio quando ele comentou de sua ex namorada, mostrou uma explosão descontrolada que podia ferir fisicamente pessoas.

Sua expressão se transformou na hora, e algo absurdo e forte foi dito e atirado por ela em cima dele que levou um susto danado mas sabia, ou pelo menos acreditava nisso, que entendia o ciúmes dela. Claro que cada pessoa sente suas coisas do seu modo, nem mais nem menos que os outros. Mas por ser 20 anos mais velho e trabalhar ouvindo os problemas das pessoas, ele constatou que ela estava tendo o reflexo de que ele era um cara legal, confundindo seus sentimentos, pois ele não julgava, não criticava, não falava nada, apenas ouvia. Sara não sabia que isso era possível e se deixou levar, o monstro da paixão domina bem rápido, pode não ser furioso como o do ciúmes, todavia era tão perigoso quanto.

Fox “Mãos Ligeiras” está apaixonado!

A Taverna Curta ficava as margens de uma estrada de mão simples. Por ali recebiam em sua maioria viajantes, andarilhos, bárbaros e mendigos. Tinham apenas dois quartos com mobília básica para recolher até 8 desses aventureiros. E no salão havia alguns pequenos objetos decorativos e 4 mesas com um belo tronco de madeira ao centro. As velas estavam dependuradas e ficavam acesas o tempo todo, uma grossa camada de cera derretida formava desenhos de rostos bizarros, que em meio a bebedeira poderiam ganhar vida para algum transeunte louco. As pessoas do lugar se entreolharam confusas com o que acabaram de presenciar. Foi quando um sujeito com o focinho dobrado como um porco coçou no queixo a barba rala e gritou erguendo a toalha branca com manchas de gordura:

_ Peguem ele seus molengas! Peguem esse ladrão!

A confusão foi grande. Copos, canecas e bancos voaram enquanto alguns bárbaros se reuniam do lado de fora olhando em todas as direções, inclusive para cima, para a copa das árvores. Não havia nenhum movimento e não se ouvia nada. Nada mesmo. Esperaram por alguns minutos e um deles reagiu.

_ Ele fugiu por cima como falou para a gente que fez ousando atacar a princesa!

McFort & Bravoalfa levantou sua espada bradando bem alto. Ele era um homem adulto em toda sua virilidade. De uma barba ruiva pendiam duas tranças que combinavam com a longa madeixa que balançava nas costas.

_ Vamos te encontrar ladrão!

E os outros acompanharam fazendo uivos.

Por cima dos mais altos galhos, o intrépido aventureiro estava escondido nas folhagens. Ele tentava tranquilizar-se, pois sabia que sua ousadia dessa vez passara dos limites. E mesmo os homens que não gostam de seus governantes, são homens de bem e não toleram uma ameaça a uma madame. Alguns dos sujeitos tentavam subir pelos troncos mas não tinham agilidade suficiente e seu peso não ajudava em galhos mais finos. O ladrão estava fora de alcance por enquanto.

Suas roupas estavam suadas e ele podia sentir seu peito acelerar quando o grupo passou direto pela árvore em que se empoleirava. Fox “Mãos Ligeiras” esfregou um lenço na testa. Equilibrava-se na ponta dos pés encostando-se a um galho para firmar o corpo. Esperou por muito tempo até se sentir seguro e colocar o pescoço esticado para ver se a estrada abaixo era propicia para ele descer da árvore. Não havia mais nenhum dos bárbaros e ouvia ao longe o ruído de vozes na taverna. Não havia música, o que significava que poderiam os aldeões, camponeses, bárbaros, mercenários, e quem mais se atrevesse a por os pés naquele lugar de luxuria e festejos, estarem reunidos para fazer uma busca atrás do ladrão. Pensando nisso desceu bem devagar e se esgueirou por entre outras margeando a estrada seguindo caminho há leste para se afastar o máximo da origem daqueles sons em que seus donos cortariam seu pescoço sem seu consentimento.

Reteve-se por tempo demais e já era de noite quando começou a caminhar um pouco mais tranquilo até seu casebre perdido no meio daquela floresta. Ele havia feito do lugar seu lar desde que decidiu ser uma pessoa livre sem alianças ou amigos. Só lhe interessava as moedas de ouro e o que ele poderia comprar para seu conforto e suas aventuras. O jovem adulto era ambicioso e gostava de viver os romances para isso. Após levantar as paredes com barro e folhagens, fez um teto de galhos trançados e folhas para se proteger da chuva. Era tudo muito simples, não havia móveis, tapetes, nada, nenhuma cama ou panela. No entanto em um dos cantos poderíamos ver três baús grandes, alguns sacos rechonchudos e duas taças de ouro puro. Ele acendeu a vela que estava num dos cantos e viu a sombra de um rato em sua parede. Como vou lhe pagar essa aposta primo? Não somos primos, e eu te disse que seria fácil roubar um beijo daquela princesa. Seu séquito é limitado e comandado por um homem vaidoso demais para cuidar das pessoas ao seu redor. Eles cruzaram olhares e Rato conseguiu ver nos olhos de Fox algo incomum. Eu acho que você se apaixonou por ela cara! Ficou tanto tempo planejando esse ato que depois de um período acreditou que gostava da Senhorita Princesa Macia!

Buk

Quando Buk percebeu estava com um sujeito um pouco mais alto e encorpado ao seu lado, vestindo em sua roupa as cores da Nação. Em uma galera clássica, ele navegava junto ao Principal Comando da Nação, os especialistas, os melhores dos melhores marinheiros, militares, caçadores, claro, esses devidamente pagos a parte. Mesmo assim ficou pensando nessa situação, desde bem pequeno, quando estava na banheira fingindo ser um barco que afundava pois a água estava a sua volta, ele se imaginava vestindo as cores dos piratas.

Acho que é uma loucura isso que estou fazendo, sou muito jovem, já vivi essa situação uma vez e essas cicatrizes todas me alertam do como podemos morrer no dia de hoje! Estava com os olhos arregalados e havia umas boas duas horas que estavam ali e não trocaram uma só palavra. O oficial ao seu lado se permitiu um gesto delicado e tentou confortar o jovem Buk colocando uma mão no seu ombro. O garoto não reagiu, ficou quieto forçando a vista, sabendo que a qualquer momento poderia ocorrer um ataque. Já navegavam há dias para dentro do oceano, já haviam cruzado o Recife das Baleias e a pequena Ilha de Cristais de Aquário. Na primeira vez, quando um camarada baixinho e calvo com um lenço amarrado de lado na cabeça e com um protuberante dente superior sendo palitado por grossos dedos peludos chegou na porta de sua casa com um papel amassado. Parecia um “anão” de um livro de fantasia. Mas era real, Buk não conteve o sorriso e abraçou e dançou com esse sujeito que até que era gente boa. Deu a notícia e seguiu seu caminho sem mais delongas.

O garoto virou grumete e estava na gávea de um belo barco de madeira e ferro fundido. Nos primeiros dias soube se situar muito bem, olhando para todos os lados e anotando num caderno sua posição em relação ao que via no horizonte. Tendo o cuidado de anotar detalhes e características, Buk era um sujeito bastante entusiasmado sobre as coisas que iria ver, praticamente tudo seria novidade. Viajaram por dias até o ataque das bruxas-sereias. Ele tem certeza que eram mais de uma pois ouviu gritos assustadores o tempo inteiro, e não eram apenas dos marujos. Agora pela segunda vez, seu corpo alertava mais forte, a cicatriz da barriga repuxava curiosa e ele se encurvava para suportar a dor.

Acho que fui envenenado senhor. Desde que fui resgatado nunca me recuperei totalmente. Sinto uma fome danada, e um desejo… Parou de falar quando avistou algo pela luneta. Lá senhor! O Oficial pegou o objeto e levou ao olho direito seguindo o dedo apontado de Buk para o além mar. Alguns segundos foi o suficiente para o som chegar aos ouvidos. A melodia era linda, não sei nem explicar. Alguns falariam que é música élfica, eu acredito que é música da natureza, o que não deixa de ser élfica também! Paralisado de horror e completamente entregue aos prazeres daquele som, seu corpo amoleceu e Buk entendeu que seria naquele momento o ataque.

Quantos serão os amores…

Que idade você tem? 29… Sério? Ela abriu um sorriso lindo e aparentou mais linda do que já era. Ficou admirando-a sem falar nada. Reparou nos brilhos em seus olhos, a covinha apenas do lado esquerdo, logo abaixo de uma pintinha. Ela piscou cílios enormes e tudo que estava em volta, tudo o que até então fazia algum sentido, todos os sentimentos, tudo ao mesmo tempo e agora, explodiu em milhões de borboletas em sua barriga. Sentiu o estômago contrair e não pode acreditar quando ela começou a levantar a camiseta branca. Era um tecido muito leve que deixou aquela cena mais sensual do que já estava. Uma mulher linda com os braços tatuados e uma doçura para se mover. E com uma atitude, daquelas que você levanta e bate palmas, pela pessoa assumir suas vontades e ser quem está afim de ser.

Fizeram sexo, primeiro com delicadeza, lento e leve. Beijos colados, corpos seguros, suores misturados. Segundo com uma selvageria que podiam ver as paredes tremendo e o ar ficando denso que quase dava para tocá-lo. Preciso ir embora, ela falou com a voz tão baixa que ele não entendeu se ela não tinha vontade de ir. Nunca mais iriam se ver, nunca mais juras de amor, nunca mais nada entre eles, a não ser a lembrança do dia mais perfeito entre os dois. Eu vou te ligar, ele sabia que ela estava mentindo, mesmo assim deu ouvidos, quis ter essa esperança. Ela vestiu a calcinha, a calça jeans por cima, sapatos preto de salto, a camiseta quase transparente deixando o umbigo sem foco. Posso te preparar um café, antes de você ir, sei que tem compromissos, mas… Ela colocou o dedo indicador nos lábios dele, e tinha em sua boca um baton vermelho que marcou de leve sua testa. Ele viu aquele brilho nos olhos pela última vez, o cabelo escorrido de tão liso, pretinho. Quando ela fechou a porta, tudo quebrou, tudo escureceu, e ele sabia que viveria mais vezes mais amores eternos e doloridos como aquele. E agradeceu a vida por isso.

Uma Aventura de RPG…

Os olhares deles se cruzaram e tudo que se passou em seguida foi tão rápido que ela não teve tempo de reagir. Ele roubou-lhe um beijo em sua boca macia e pulou de sua carruagem fugindo pelas árvores.

“Rápido seus idiotas!” gritava do lado de fora o comandante da vigilância, Sir. Althus Baishignon. Dois guardas corriam de um lado para o outro tentando ver para onde o suspeito teria fugido e se deixara alguma pista. E mais um corria na mesma direção em que o suspeito, só que a pé. Claro que ele não o alcançou. O sujeito em questão, além de mais esperto era mais rápido também. E pulando feito um macaco prego, sumiu por entre as árvores. Foi logo que os guardas pararam de perseguir o escroque, o superior comandante estava revoltado falando muito alto, quase gritando com seus comandados. E a garota estava aturdida. Assustada é claro, mas tinha uma leveza em seus olhos e um leve sorriso em seus lábios. Dentro da carruagem uma senhora que parecia ser a ama, ou sua tutora, chorava desenfreadamente pelo susto. Do seu lado, o cocheiro tentava consolá-la abanando-a com um lenço fino. O aspecto dos dois era clássico. Ele era alto e magro com o rosto fino marcado pelos ossos. Poderia muito bem ser um agente funerário. Já a ama, tinha em seu rosto o aspecto saudável de faces rosadas e um enorme corpanzil abaixo do que parecia ser uma dobra no pescoço. A garota então pôs a cabeça pela janela e procurou pelo seu ousado malfeitor. Forçou os olhos mas nada viu, então virou a cabeça em direção ao superior comandante.

“Vamos embora, por favor, minha ama não está se sentindo muito bem.” Ela disse calmamente.

“E a senhorita, como está se sentindo?” Ele alisou os bigodes arruivados.

Ela voltou com a cabeça para dentro da carruagem ignorando os olhares insinuantes dele. O cocheiro assumiu seu posto e então seguiram caminho. Os soldados se reorganizaram, alguns a pé, outros em cavalos, cercando a carruagem pela frente, pelos flancos e pelas costas. Um dos soldados observou Sir. Althus por um momento. Seu comandante estava sobre um corcel branco muito forte e vistoso. Ele rodeou por alguns segundos uns metros a frente. Então ele fez o mesmo, só que mais para o sul. Pode observar bem ao alto um movimento diferente nas folhagens das árvores. Ficou pensando se aquele crápula não estaria escondido naquela imensidão de telhado verde. Então puxou as rédeas e fez seu cavalo seguir o roteiro de defesa exigido com execução perfeita e sincrônica como as das cavalarias romanas dos contos humanos.

Todo o lugar então ficou em silêncio profundo. Até as velas em seus candelabros dançavam lentamente criando uma leve penumbra amarelada no ar.

_ Isso tudo aconteceu agora pouco, a cerca de uns trinta minutos mais ou menos.

_ E como você sabe disso tudo, hein rapaz?

Perguntou um sujeito de ombros largos, barbas crespas e bochechas gordas que palitava os dentes no canto da boca. Sua face lembrava a de um pirata bem malvado. Aquele sujeito magrelo não havia calado a boca desde então, contando sua história delirante enquanto bebia uma cerveja gelada e comia uma salsicha apimentada. Ele jogou dois sacos de flanela para cima e pulou do banco onde estava sentado perto sobre o balcão. Pegou seus pertences, tirou uma moeda de ouro e deu uma piscada para o gordão:

_ Eu sou o ladrão!

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