Quando eu a vi pela primeira vez, no meio daquela neblina toda, só havia percebido que era uma mulher, pelas suas formas, a silhueta de seus seios, e do rosto afilado sem o queixo quadradão e nem o gogó exposto. Porém ela não quis subir no meu barco, apenas deu risadas e acenou para mim com a mão esquerda. Estava a uns dez, talvez doze metros de mim. E mergulhou tão rápido que não entendi se o que vi na sequencia era real, e ela sumiu!
Uma coisa que percebi de imediato, é que ela só deve aparecer sob a neblina. Voltei ao mar mais algumas vezes, para ajudar com a pescaria local, e para abastecer a minha curiosidade de saber quem era aquela pessoa que eu havia visto. Tanto nos dias, quanto nas noites, o céu estava aberto, com aquele sabor mareado na pele. Seria mesmo uma pessoa, ou seria um delírio da minha cabeça? Quem sabe até uma aparição assombrada de alguma lenda da pequena comunidade pesqueira… Creio que nunca irei saber, a não ser que a veja de novo…
Demorou semanas para eu poder vê-la de novo. E a cada vez que a avistava, durante as neblinas espessas, sentia que meu barco se aproximava de onde ela estava, como se eu estivesse sendo… a pescaria! Porém minha curiosidade só aumentava e cada vez mais aguçada para saber quem era aquela pessoa. E eu gritei algumas vezes, e nunca obtive uma palavra de volta: Ei, quem é você? Está precisando de ajuda? Está ai mesmo? Foram assim na segunda, terceira, até que a frequência aumentou, e a cada vez que eu aparecia com uma nova pista de quem era essa pessoa, mais eu queria estar dentro do mar. E os dias sem neblina me deixavam em pura frustração.
Contudo o fatídico dia que tanto me angustiara chegou. E eu pude contemplar tamanha beleza de um ser mitológico e maravilhoso. Seu ser estava dividido de forma híbrida, porém enfatizada. A parte de cima, como já havia sugerido antes pelas visões assombradas, era mesmo de uma mulher. Muito linda, com o formato do rosto alongado, possuía lábios finos e o nariz os acompanhava. E os olhos eram serenos e tocantes. Por cima de sua delicada nudez, seus longos cabelos escorriam por mais de metro até encontrar com as águas que escondiam a segunda metade de seu corpo.
Eu não sei que nome dar a esse ser. E a minha sorte foi ser mulher. Pois ela me contou que sua espécie caça os “machos” da minha espécie. Ou seja, ela mata os homens que são atraídos por suas “armadilhas”. Acho que posso dizer que ficamos amigas. Minha ideia a princípio, com a permissão dela seria documentar através de nossas conversas e de meu caderno de desenhos, fazendo meus rabiscos das aventuras que ela me contava. Disse que sua avó foi a mais poderosa de sua espécie, e que desafiou a própria família para viver como “ser humano”. Era conhecida como Serena, a rainha das bruxas-sereias.
Lógico que dei muita risada dessa e de outras histórias que ela me contava. E acabou sendo natural pra mim ela nunca querer subir no barco. E não me vinha a mente a ideia dela ter hipotermia naquela água super gelada. Passada algumas semanas de nossos encontros que de casuais viraram pontuais, ela me disse que teria que se despedir por algum tempo. Não explicou o motivo mas disse para mim: “hoje você vai saber o que eu sou para o seu povo…” E deu um salto espetacular para fora do oceano, sua pele sedosa brilhava intensamente e estava em tons de verde e rosa. E o que me causou mais espanto, era o que aquela mulher possuía abaixo da linha da cintura, umas plaquinhas na pele, de tons esverdeados e azuis, que também cintilavam parecendo escamas de…
Eu era a única repórter mulher com um material inédito para publicar sobre um encontro real com uma “sereia”. E pelo que eu havia entendido, aquela comunidade pesqueira não teria mais pescadores… pelo menos não homens… E eu deveria noticiar isso para o mundo!
Com todos os meus desenhos espalhados sobre a pequena mesa da minha cozinha, eu me emocionava com as lembranças do meu encontro e percebi todos os detalhes daquele ser formidável. Uma membrana translucida, balançava em um ritmo poético, e também mudava de cores, misturando verdes com rosas e brancos de uma forma mais fluida, na parte onde estariam os pés. E minúsculas barbatanas como gotas surgiam e sumiam se escondendo em sua própria pele… meio mulher, meio peixe, e eu em um dilema jornalístico que me valeria o maior prêmio de todos…