E a Sara, por onde andava agora? Desde que tinha saído do Rio e se embrenhou pelas montanhas de Minas, não tínhamos ouvido falar mais dela. Sabemos que estava ansiosa pois o pequeno monstrinho da Duvida deixou seus sentimentos dispersos. Ela pensava na melhor amiga, mas não sentia aquela atração que teve por exemplo, pelo seu ex-terapeuta, alguma coisa além das borboletas na barriga, alguma coisa que mexia com seu sexo e com sua cabeça ao mesmo tempo. Para chegar ao seu novo destino, decidiu que iria conhecer um lugar diferente, que ela ouvia muito falar por casos de magias, bruxas, uma pedra gigante que era pista de pouso para naves alienígenas e uma comunidade alternativa. “Não vou virar hippie!” Dissse a tia Helen pelo celular. “Quero ir a São Tomé por que conheci alguns colegas que falaram muito bem desse lugar, está chegando o ano novo, então acho que vou para lá ver o que acontece tudo bem?” Era uma pergunta retórica, mesmo que a tia dissesse que não, ela faria assim mesmo essa viagem. “Sim tia, vou tomar muito cuidado.” Preocupações à parte Sara pegou um ônibus que a deixou em Volta Redonda, ainda no estado carioca para pegar uma carona por um desses aplicativos modernos. Agendou com o motorista e soube pelo próprio app que ela teria companhia de mais 2 pessoas além do próprio condutor.
Vieram conversando bastante pelo trajeto, a motorista era uma mulher por volta de seus 25 anos, e viajava de férias com o namorado. Iriam para Varginha, uma cidade que fica depois de São Tomé das Letras, rota de Sara, portanto poderiam deixá-la bem próxima desse lugar passando por cidadezinhas como Pouso Alto, São Lourenço e Caxambu, todas já no estado de Minas Gerais. Dali pegou uma van que chegou por volta das 17hs em São Tomé, e ela foi procurar o hostel que havia também agendado através de um aplicativo de acomodações baratas. “Como minha tia me orientou, vou usar a grana como se não a tivesse!” pensou ao falar com o recepcionista programando sua estada para 2 noites. Caso fosse tão legal quanto parecia, ficaria mais dias, porém seu interesse era a virada de 31 para o dia primeiro de janeiro.
E a magia aconteceu na manhã seguinte, não do jeito que ela imaginou, aliás nunca é do jeito que fantasiamos. Subiu no teto de pedra da casa da bruxa e fumou um baseado com pessoas amigas que fez pelo caminho. Comeram um brigadeiro enfeitiçado, foi o que vendedora disse, uma garota hippie com trancinhas cheias de fitas e uma roupa muito colorida com flores diversas. E ficaram ali papeando até o meio dia, quando a barriga revirou e o estômago pediu por comida. Ela havia acordado cedo e tido um café da manhã típico das cidades mineiras, recheado de café, doces, bolos e sucos. Passeou por trilhas ingrimes até uma cachoeira linda, onde nadou meio timida pela presença de tantas pessoas ali. Agora junto com mais 3 colegas que havia feito no hostel, iriam compartilhar um assado de porco banhado em vinho com suco de abacaxi e hortelã geladinho.
A noite se aproximava e depois de fazer um passeio pelo pequeno centro, tradicional das cidadezinhas onde tem a praça central, a igreja da matriz e o comércio em volta. As lojas estavam cheias de turistas comprando filtros de sonhos, peças decorativas feitas de cerâmica, e camisetas “estive em São Tomé e vi a bruxa”, coisas assim. Os hippies estavam espalhados vendendo suas bugigangas e outros tocando violão e instrumentos de sopro que imitavam passarinhos. Estavam sempre com uma aura tranquila e um sorriso largo no rosto. Sara deu atenção a algumas pessoas que ela sentia curiosidade de conversar, de saber mais daquele outro tipo de vida, algo que ela nunca tinha visto ou vivido tão de perto, já que seus pais quando vivos eram empresários e sem tempo para viagens ou qualquer outro programa com a garota. Não lhe faltava nada de material, tinha o celular mais moderno, o notebook da apple, roupas e sapatos, e claro, seus pais a amavam, mas o contato físico era pouco devido a esse tempo mal aproveitado entre eles. Era disso que ela mais sentia falta, e era um dos motivos mais fortes que a levaram a viajar. Na bolsa carregava sua carteira, e dentro dela uma foto dos 3 juntos, ela devia ter uns 10 anos na época, estavam pousando de costas para o mar, aquelas caras felizes. Essa foto a fazia lembrar como foi legal aquela viagem, como era bom ter pais tão generosos como os seus. Iria aproveitar todo dinheiro que havia recebido para viajar com “eles” e por eles.
Depois de tomar um banho e se aprontar com um vestido branco e liso, com renda na altura dos joelhos, saiu para encontrar suas novas amigas e juntas irem curtir o reveillon pitoresco de São Tomé. Uma delas carregava duas garrafas de vinho dentro da mochila, e a outra armou 2 baseados que havia conseguido de um hippie. Esse ao vender o cachimbo disse a elas que já tinha ganho o dia e que não iria mais trabalhar. Elas pagaram 25 reais no objeto, e Sara teve esse vislumbre de como podemos viver bem e felizes com tão pouco. “Menos preocupações” ela perguntou e ele complementou dizendo que necessitava apenas de um dinheiro para comer e dormir, por que amanhã era outro dia.
Então dançaram ao som de músicas mineiras, de músicas internacionais, na praça junto de outras tantas pessoas que ali estavam para o festejo. E ao dar meia noite, elas fizeram um combinado no mínimo curioso, dançaram em volta da mochila para estarem sempre viajando, para as portas mágicas de São Tomé que diziam as lendas, era conectada através de um portal com Machu Picchu no Peru. Foi uma viagem enriquecedora, ali começou a aprender sobre desapego, sobre solidão e estar sozinha, sobre oportunidades que surgem se saímos da zona de conforto, sobre viver de maneiras distintas que são tão boas quanto aquelas que Sara acompanhava nos seriados televisivos. Paixão a acompanhou o tempo inteiro, e ela decidiu ir conhecer a comunidade alternativa, mas só iria depois de deleitar-se com aquele jovem hippie com seus dreads longos em mais algumas cachoeiras e trilhas locais.