Valores – Primeira Parte

 Para lembrar e aprender a dar valor ao alimento, ao tempo e a vida…

Existem diversas maneiras de se aprender contra o desperdício absurdo proposto pela sociedade de classe média burguesa com seus falantes sem atitudes. Aconteceram tantos episódios e era um tema muito recorrente, por que ele viu muitas pessoas tendo certos jeitos, que não sabia se teria coragem de fazer para ter alimento, e também aprendeu um montão com isso, desde como você realmente pode escolher suas frutas, verduras e legumes, até você saber “o que” daquele aspecto podre pode tirar de bom, e incrível, tira muita coisa! Ele detestava esse papo de sofrer pra aprender ou nos erros aprende mais, blá blá… Acreditava nas escolhas, e por mais que algumas deem merda, ele garantia que quando a gente escolhe se está pensando em um resultado positivo.

Essa história começa tarde da noite já num posto de gasolina desses de beira de estrada. Era bem madrugada acho que umas 2 horas. O lugar era bem grande, um pátio para caminhões esperando os monstros chegarem, e 2 funcionários e mais um “vigia” estavam no local. Quando perguntou se poderia acampar ali para tentar uma carona, o frentista lhe ofereceu um café, e um lugar para guardar a mochila, por que ali havia muito assalto e não dava para saber o que poderia ocorrer, sendo que na esquina era uma boca. De tempos em tempos passava um sujeito bêbado, falava qualquer coisa e ia embora. Foi uma noite relativamente tranquila, o lance era despistar o sono e a fome que vinha chegando tão lenta quanto essa carona confirmou ser. No meio da madrugada não conseguiu dormir, não achava lugar ou posição que o deixassem seguro, mas percebeu algo que achou engraçado, não tinha desconfiança nos frentistas do posto, muito pelo contrário. E além de amizade e palavras consoladoras de um deles que era devoto evangélico, ou pelo menos assim ele deveria achar que com aquela ladainha fazia uma boa ação, volte para jesus e doe sua cruz. Então desencanou da mochila, e como eles disseram mesmo, se esse lugar tem tanto assalto, “que me levem tudo” pensou, “já que não tenho nada comigo mesmo”. Era só a roupa do corpo, e o cara da cachaça veio. Estava muito louco e não controlava a fala. No entanto durante umas 2 horas de conversa, a gentileza dele lhe oferecer a comida pois o que ele queria era dinheiro pra cachaça. A marmita tinha frango assado, arroz e feijão preto (coisa de carioca). Contou da história da mãe, de quando estava preso e que havia entrado para a igreja e iria se converter para tomar um rumo na vida, trabalharia de pedreiro para começar, fazendo as paredes da própria casa.

A humildade vem junto, mas bem juntinho dos valores, aqueles que são morais e sociais, que nos diferenciam dos animais selvagens, e dos pets. Somos humanos por que em teoria sabemos discernir as atitudes boas das ruins.

Não é para pagar de gatão não, mas falamos mais do que agimos e acreditamos estar fazendo algo bom doando 20 reais pelo telefone para alguma associação, ONG ou afim. Ninguém dá as caras, vai lá ver como é e doa a grana para pelo menos, já que somos seres de natureza egoísta, sabermos quem são as pessoas que vão lidar com o “suado” dinheiro de fim de mês. A porrada é forte pra caramba, então você percebe que tem pouquíssimo tempo na real, que sei lá, se chegar aos 85, acho massa, mas não é nem um século, perto do que você lê ou ouve falar, de bilhões e bilhões de tantas bilhões de coisas por ai, e só temos isso de tempo pra curtir a porra toda e tá todo mundo, sei lá, enlouquecido? Chamaram ele de hippie, bandido e pobre… Caleja saca, você sente uma casca crescendo e você tá pronto pra se defender. Veja bem, com tanta gente pirada, o mínimo que se pode fazer num mundo louco como esse nosso é se proteger de alguma forma, não necessariamente pensando que vai ter de usar alguma arma ou algo assim, e torce pra que nunca mesmo, apesar que nunca também é uma medida de tempo, aquele que não entendemos e usamos com tanto desperdício…

Ah cara, no dia seguinte ele estava de pé bem cedo já tentando a carona na beira do acostamento de novo. Havia tomado um outro café, os frentistas, todos eles, cada um que voltava da cozinha, lhe trazia água ou café. Foi uma coisa especial, você pensa no dia a dia, nas correrias, nas negações das pessoas com aquelas que falamos que somos amigos. Complicado isso.

Passou 18 horas tentando carona sem nenhum sucesso. Alguns caminhoneiros que descansavam ali suas máquinas aproximavam para pegar água, e um ou outro puxava uma conversa e ele respondia na tentativa de conseguir alguém que o levasse dali. Apenas dois em dezenas falou que iriam ver alguma coisa. Mas não prometiam nada. Depois de uma quentinha paga pelos frentistas, passou a noite com as provocações do vigia que cheirava aquele pó nojento. E lhe infernizava falando que ele não poderia dormir aqui ou ali, quando um dos frentistas tinha dito até para ir tomar uma chuveirada. Poder de portaria de condomínio burguês, igual aos dados para os governantes. Outro valor, outro desperdício, mais um aprendizado de tempo. Ficar 3 dias sem banho e tomar um mesmo que gelado é mágico. A sensação de prazer iguala ao banho de cachoeira pela alegria que você sente no fundo da pele se limpando.

No outro dia ficou esperando aquele caminhoneiro que havia lhe prometido carona, apenas um no final das contas foi lá falar com ele. E as 10 horas da manhã estava em um trem indo em direção a capital paulista tentando entender as atitudes mesquinhas dos caminhoneiros (passou uns dias com raiva deles) e abençoando os frentistas e loucos de posto de gasolina de estrada.

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Quando a morte visita…

Ele acordou lento. Havia uma expressão de serenidade e um leve sorriso no rosto. Abriu os olhos e no teto o ventilador girava devagar. As cortinas estavam fechadas e ele sabia que era de manhã pela fraca luz do sol que competia tentando romper as grossas camadas de tecido. Piscou e bocejou. Esticou o corpo pela cama se espreguiçando e sentiu um vazio do seu lado direito. Havia uma marca de batom no travesseiro, e as manchas de suor e gozo por todo lençol. De olhos fechados sorriu e pensou em como era uma pessoa de sorte.

Lembrou-se de sussurros em seus ouvidos, palavras “sujas”, palavras que o deixavam excitado. Ela sabia como excitá-lo. Beijos, carícias, mordidas, lambidas, pescoço, mãos, pés, ventre, peito. Sentou-se encostando no travesseiro e demonstrava uma alegria enorme, aquelas borboletas na barriga eram um verdadeiro enxame de felicidade. Deu soquinhos no colchão e teve a suave sensação de sentir o cheiro de um café que acabou de ser feito. Então pulou da cama e foi ao banheiro. O quarto típico de uma família tradicional de classe média da capital com um enorme armário embutido e uma das portas era “falsa”, sendo a passagem para o banheiro. Lavou o rosto e escovou os dentes.  Ao se encarar no espelho, atrás dele na banheira pode ver a silhueta dela, nua acariciando as pernas. Saboreou o cheiro gostoso daquela pele macia, quase percebeu  o toque tenro de sua boca em sua nuca, as memórias vividas de um amor delicioso.

Saiu assoviando e enrolado em uma toalha branca após uma rápida chuveirada. Gritou o nome dela procurando por uma camisa no armário e não ouviu resposta. Após vestir a calça, amarrou os cordões do sapato e ajeitou a gravata na frente do espelho. Mais um sorriso e aquele gesto do tipo “minha vida de sucesso” apontando os indicadores para sua imagem e uma piscadela para finalizar.

Chamou por ela novamente e ouviu barulhos de passos na sala. Pegou sua carteira sobre a cômoda e passou pela sala onde havia outro espelho grande na horizontal dando a sensação de amplitude para a sala apertada pelos sofás, rack da TV e mesa de jantar com 6 cadeiras. Teve a visão daquela linda mulher usando um lindo vestido vermelho, de tecido leve que acentuava suas curvas e notou que não tinha uma marca de calcinha. Com uma larga expressão de satisfação fez um comentário atrevido e viu ela se abaixar e deixar a polpa da bunda à mostra. Ela levantou-se com um sorriso safado na cara, o batom acentuava os lábios e fez um gesto de “chega mais” com o indicador. Ele aproximou-se e a barriga até pulava, não sabia se era ansiedade e pensou que parecia viver um sonho. Abriu os olhos e percebeu como estava com fome e que chegaria atrasado no trabalho. Chamou por ela novamente e ouviu um barulho que parecia ser vidro ou metal vindo da cozinha.

Foi até lá perguntando se aquele cheirinho gostoso significava que o café da manhã estava pronto. O lugar era devidamente decorado com móveis prontos, cada armário e eletrodoméstico em seu devido lugar, combinando em cores e formas e disposição. Um ambiente funcional para a vida agitada das grandes cidades. No entanto não havia ninguém na cozinha. Ele olhou para a máquina de café e não havia café. Não havia uma mesa posta e nem pãezinhos quentinhos. Olhou para o relógio e ainda eram 6:50. Onde ela está? Seus pensamentos ficaram confusos e colocou a mão sobre os olhos fechados, tentando se lembrar dos acontecimentos. Uma nuvem tomou conta de sua vista e um sussurro fino e constante invadiu seus ouvidos atingindo seu cérebro com força.

Desesperou-se e ao tentar andar e acabou por cambalear sentindo as pernas fracas e moles. Apoiou-se na bancada e viu um jornal velho. A data marcava um dia diferente. Ele olhou novamente para o relógio e ele também mostrava o mesmo dia do jornal. O chiado foi ficando mais forte e ele teve que segurar suas orelhas apertando com força para tentar parar aquilo. Onde ela está? Saiu por todo apartamento procurando-a. Chamando-a. Não havia resposta, só lembranças. Mas eram reais. Ele estava em sua casa, ele esteve casado com a mulher da sua vida, viveu com ela por anos, aventuras, viagens, sexo pervertido e sexo com amor. As marcas na cama, o lençol bagunçado, os cheiros vinham forte, ele revirava os olhos, sua testa suava, suas mãos tremiam, e ele não entendia o que estava acontecendo até o zumbido estourar e um flash branco e muito estalado socar sua cabeça.

Ao abrir os olhos ele estava olhando para uma forte luz, e tentou levantar seus braços mas não os sentiu. Tentou falar e não conseguiu. Não enxergava nada além de branco, e não podia nem mesmo ver ou perceber seu próprio corpo. Em sua mente não concordava com os acontecimentos, e pela última vez antes de morrer ele perguntou, onde ela está?

A receita de um feitiço perfeito

Aquele feitiço era muito poderoso. Combinava todos os elementos necessários para uma perfeição mágica. Não sei se sabem disso, mas nem todo encantamento sai 100%, sempre tem uma sequela ou outra. Isso não quer dizer que é ruim. Às vezes nem se nota e passa rápido demais para sentir. Todavia aquela bruxa usou de todos os seus conhecimentos no limite, trabalhou com os melhores ingredientes e executou cada procedimento dentro do padrão de tempo e espaço necessários para que ocorressem essa plenitude. Serena era uma bruxa-sereia e como tal tinha uma sede de sangue e de carne humana, de homens principalmente. Ela era a mais jovem das três irmãs, uma linhagem sobrenatural e milenar, e enquanto fossem bem sucedidas em suas caçadas, iriam viver por mais mil anos. Era também a que maquinava os planos, ela tinha aprendido a controlar seus impulsos melhor que suas irmãs, que se levavam pelo desejo da orgia, de quanto mais sangue, melhor. Serena sabia que em algum momento tudo poderia ruir, de caçadoras elas poderiam se tornar presas. E com os homens indo cada vez mais longe para encontrar a morada das bruxas-sereias, ela percebeu que precisava agir acima de seus estímulos, precisava capturar um deles e transformá-lo em um aliado. Assim elas poderiam continuar suas farturas sem nenhuma culpa. Em sua cabeça vinham os devaneios e ela quase podia sentir o gosto do sangue e das entranhas de seus inimigos, e ela quase entrava em frenesi.

A pata traseira esquerda de um coelho branco, a primeira gota de orvalho que nascia na pétala da crisálida rubra acima das rochas, os pelos de um filhote de morcego hematófago, ungüentos diversos, algumas folhas afrodisíacas, um dente humano e o raro solstício de verão e lua cheia ao mesmo tempo. Todos esses princípios alinhados fizeram de Buk um fantoche na mão de Serena. Agora a temível monstruosidade poderia controlar algumas vontades do garoto, e ainda ter sentimentos quase como previsões de seus atos. Ela sabia de sua traição e ele não iria gostar nadinha do que ela estava preparando para ele.

Trocando energias…

Vocês acreditam em “energia”, dessas que sentimos quando nos aproximamos de uma pessoa que gostamos, aquela que trocamos com um abraço carinhoso de amigos ou mesmo aquele sorriso gostoso e sincero com alguém que temos afinidade mútua. Ele sabia que iria revê-la, aquela mulher incrível que ele adorava pela inteligência e com quem teve um breve relacionamento por conta das “energias” alheias, por que por eles tinham esse pressentimento de ser algo bom, algo positivo. No entanto essa energia se sente para algo ruim também. Aquelas sensações que temos no estômago e que nos confunde, nos deixa ansiosos, por não sabermos como iremos nos comportar e o que acontecerá. Ele aprendeu tomando muita cabeçada que não adiantava planejar nada disso, ensaiar textos lindos com palavras floreadas em frente ao espelho, por que na hora mesmo, o diálogo nunca é o que esperamos, as coisas não são como imaginamos, ou pelo menos o controle que acreditamos ter não rola assim. A reação das pessoas só é possível de saber quando elas surgem no momento ocorrido, e pronto.

Quando ela saiu do carro estava acompanhada do atual marido e de sua mãe. Levou um choque na porta, aquele que faz os cabelos do braço eriçarem e chega a assustar com uma leve dor. Um sinal, ela pensou inquieta. A porta da casa abriu e tudo o que passou há 15 anos atrás voltou para a memória deles de forma sutil, cada um agiria com delicadeza pela situação em que se encontravam, afinal, se eles não estavam juntos foi a mãe que não permitiu. Por ele não havia problema, mas a garota, devota da mãe ao extremo, jamais faria algo que pudesse contrariar a vontade de sua “protetora”. O mais engraçado é que tem aquela história de sogra X marido que é bem real, para as familias mais simples que são do interior. Os dois se espetavam o tempo inteiro, e ele e ela reciprocaram olhares e ela fez um sinal com a cabeça que só ele poderia entender.

Não adianta o tempo que passa, os caminhos diferentes que seguiram, os corações amarrados por outras pessoas, aquela força entrega tudo. Se fosse em outra vida, ou se tivessem outra chance, será que esse impulso poderia deixá-los juntos finalmente. Nem ele nem ela jamais saberiam disso, mesmo assim, naquela noite longe dos olhares da mãe e do marido, comutaram suas energias que sabiam lhes fazer bem, pela entrega ao gozo, por terem assuntos e interesses tão próximos, por vontade mesmo de se curtirem. E como sabiam que só seria uma vez, aquela seria a única, última e derradeira vez, se entregaram ao máximo ao prazer de estarem juntos. A bendita energia!

Quem experimenta gosta!

Dizem que amor e sexo vêm separados em dois pacotinhos. Você pode tanto ter um quanto o outro sem necessariamente misturá-los, no entanto já ouvi dizer que quando se junta fica melhor ainda, tanto o amor, quanto o sexo… 😉

Datas importantes… Duvidas idem…

Sara estava apaixonada por Marcinha. Ela dizia que Marcinha e Tia Helen eram as duas pessoas mais “fodas” no mundo todo, por que elas eram loucas para os outros, e isso significava que elas faziam as coisas mais legais e diferentes que as pessoas são capazes de fazer em suas respectivas idades. Inspiradoras, Tia Helen resumiu as personalidades sua e de Marcinha quando a conheceu, então a garota tinha 15 anos. Era da mesma turma de escola que Sara, tendo repetido duas vezes, uma em matemática e outra em vez em história e portanto sendo a mais velha da classe, estava naquela transição do corpo feminino para a fase adulta. Os olhos de Sara brilhavam quando viram aqueles cachos coloridos e a forma descolada como ela mascava chiclete e posava para os olhos gulosos de todos os alunos. Ela ajeitou o óculos Rayban e andou como em uma passarela de desfile, mesmo se não quisesse, chamaria a atenção de quem estivesse presente. As duas se tornaram as melhores amigas, Marcinha a mentora de Sara. E elas trocavam todo tipo de segredo que não compartilhavam com suas mães, e trocavam as roupas cada uma procurando um estilo próprio, e dormiam depois de uma sessão pipoca X filme de terror, juntas de “conchinha” no apertado sofá da casa de Marcinha.

Três anos depois e Marcinha possuía a postura de uma mulher madura e consciente. Antenada era a porta-voz de sua geração, lutando como ela mesmo dizia por “assuntos neandertais”, eterno dissabor de não haver um bom diálogo entre as espécies. Sara admirava muito Marcinha pela aparência, inteligência e bravura para enfrentar vários preconceitos sociais. Ela às vezes se questionava, mas Paixão sempre aparecia antes de Marcinha, e sumia após seu caloroso abraço. Misaki com serenidade explicou para a jovem sobre o amor de amigas. Você escolhe quem ama Sara, e seus amigos serão sua outra “família”. Pode ocorrer em diferentes momentos, mas tem algumas que duram para a vida toda.

Ela sabia que seria assim com Marcinha, 3 anos é pouco, e trocavam olhares e muitas risadas. No dia em que Sara se sentiu mais forte, não estava totalmente curada, no entanto seu coração tinha criado as cicatrizes necessárias para as suas pernas seguirem em frente. Já se passara alguns bons meses de histórias no Rio. Ela olhou para o peso da mala, com uma bagagem rica de sentimentos. Paixão abraçou Marcinha e elas se beijaram.

Foi a primeira vez de Sara para um montão de acontecimentos em seus anos de vida. Até os 17 parecia que o tempo era infinito, que o teria para realizar todos seus sonhos e delírios, porém quase um ano depois tinha sentido tantas coisas distintas, aprendido muito sobre os valores diferentes que a criação e o ambiente sócio cultural davam às pessoas, vivido experiências ricas e profundas para uma jovem que “perdeu” seus pais de forma tão trágica. Ela trouxe uma coragem que nem imaginava ter, e nadou nua em uma praia de naturismo no dia 12 de outubro, quase se afogou num mar super agitado no mesmo dia. Subiu o Morro Dois Irmãos a pé, um percurso árduo e que vale a vista mais “chapada” que já tinha visto, segundo ela mesma comentou. Teve o primeiro baseado e o primeiro sexo hetero que fez surgir um novo sentimento. Um gatinho roxo, curioso e sem boca. Nunca miava, aliás ele não demonstrava nenhuma emoção, não tinha expressões. Ela também fez a primeira tatuagem, um coração hachurado pequeno no ombro esquerdo, e esse dia ela fez questão de marcar no diário que carregava pois foi o mesmo dia que ela experimentou o voo duplo de parapente. Gatinho roxo… Quando a “jovem aventureira” – era como Marcinha à zuava pelos anseios que a amiga demonstrava contando que queria engolir o mundo – pegou um táxi que a levaria ao aeroporto Santos Dumont naquela tarde após um almoço de natal, haviam trocado um sinal de que iriam se ver em breve, e Duvida miou pela primeira vez também.

Sentimentos Coloridos…

Coloridos. Como a vida deveria ser, segundo os pensamentos altruístas de Misaki, a professora de Ioga. Ela era uma senhora de uns 60 anos, devia ter um metro e meio nos 3 sentidos, e impressionava pela sua flexibilidade. Sara não entendia como aquela pessoa tão pequena e tão compacta podia fazer posições complexas com seus membros, deixando a garota toda dolorida no final de cada sessão. A mestra explicava a ela como as cores influenciam no nosso dia a dia, como a conhecida cromoterapia poderia ajudar e ser benéfica para a jovem que a havia procurado com tantas dúvidas.

No início ficou com medo de revelar para sua professora, mas desde que chegou ao Rio e resolveu “morar” um tempo na cidade maravilhosa, para explorar coisas que ela ainda não tinha tido tempo ou nem se importava pela vida insana que já levava em São Paulo, acompanhando o ritmo alucinado dos pais; ela se dedicava mais a si mesma, seu corpo e sua mente. Nesse último caso para resolver os problemas sentimentais que a dor de não tê-los por perto trazia, e o descontrole com essas emoções que manifestavam cada vez mais fortes e vinham em formas e cores específicas. Sinestesia!

As aulas de Ioga aconteciam na praia, bem cedinho com os primeiros raios do sol, e em um domingo onde Sara e Misaki se deixaram levar pelo tempo, os outros alunos haviam ido embora e as duas sentadas em posição de  lótus trocaram suas energias, e a professora identificou o caos sentimental que a jovem tinha e como ela não limitava suas emanações. O ciúmes era imenso como um tigre, tinha o corpo azul e o ventre alaranjado. Era robusto e imponente, chegava a ser um monstro bonito, mas era temível devido a sua brutalidade. Dele às vezes nascia a Impulsividade, uma outra aberração enorme, que ganhava a forma de um touro rosado e chifres verdes fazendo um belo contraste. Esse sentimento levava Sara a cometer todo tipo de loucuras que ela podia. Sozinho ele não agia, mas combinado com o Ciúmes ou até mesmo com Alegria, Sara era capaz de realizar qualquer proeza, tanto para o bem quanto para algo ruim. E essa Alegria incontrolável, veloz e agitada vinha na forma de um coelho todo preto com um coração vermelho grandão no peito. Sempre com os dentes a mostra e gestos espalhafatosos, fazia Sara se perder nas sensações agradáveis de um banho no mar ou depois daquele beijo ardente que se repetiu com outras conquistas.

A garota estava agora vivendo aventuras em terras cariocas, junto de Marcinha, uma negra linda que usava as roupas mais descoladas, os acessórios mais atuais e os cabelos rebeldes cheios de mechas coloridas, segundo Sara a descrevia. Ela trabalhava em uma loja famosa de maquilagem em um shopping na zona sul, e quando dava, ela escapava para encontrar Sara na praia, que ficava a uns 10 minutos de caminhada. As duas conversavam muito, fumavam um baseado e depois de um açaí geladinho, Marcinha voltava ao trabalho e Sara ficava viajando em frente ao mar. Era aí onde a Paixão vinha com mais frequência, pelas lembranças boas que ela tinha, pelos pensamentos agradáveis das tardes quentinhas e pelas sensações em sua barriga, de que tudo que estava realizando era realmente apaixonante. O maior dos monstros era o mais infantil, abobado como só os cachorros são, e tão carinhoso quanto.

Platônico…

Acontece em geral em uma sexta à noite, ou aos sábados, aqueles encontros casuais com pessoas amigas de amigos seus, pequenas surpresas que podem vir a se tornar outros encontros. Foram muitos, com diversas turmas das qual participou em suas viagens. Tantos lugares, tantos amigos e tantos amores possíveis. E depende muito de como você lida com essas situações de paquera, ao mesmo tempo em que pode viver uma paixão intensa, com muitas aventuras e riscos de “adolescentes”, ocorrem outras em que apenas um toque de amizade marca esse dia em sua vida. Ele estava trabalhando como tatuador durante um bom tempo, tirando dai um dos meios de seu sustento e também de viver alguns desses amores. Uns concretos por um instante, outros passageiros, e mais comum, os platônicos. Ele tinha sido professor em uma instituição em São Paulo, o que lhe propiciou participar da criação de um curso de graduação, o assunto que ele tanto ama, sobre animação (claro que passados os anos não é mais o mesmo curso), mas a essência está lá. E em um dos atendimentos de tatuagem, iria rabiscar mais uma pele amiga, de uma ex-companheira de trabalho, ali acabava de conhecer uma pessoa que havia se formado nesse mesmo título. Ela tinha o cabelo muito chamativo pintado de laranja e um óculos de nerd daqueles com o aro preto e grosso, e prendeu a atenção dele na hora. O choque de saber seu gosto pessoal para as pessoas, num caso nítido de interesse mútuo, e o papo fluindo leve, se percebe tantos interesses comuns que já imagina mil cenas de como vai fazer para passar mais tempo com aquela pessoa. E nem adianta pensar em diálogos ou desculpas, nesse caso ser direto talvez fosse a melhor opção, isso se dentro de tantas qualidades e curiosidades partilhadas que sabemos que eles têm, a timidez dela barra em muito as possibilidades de um movimento frontal. Ele envia uma conversa qualquer pelo celular e recebe uma mensagem de resposta pouco tempo depois. Sabe que precisa de coragem para fazer aquele convite que pode mudar todo curso da história. São tantas possibilidades que eles acabam não fazendo nada, mesmo se prometendo um encontro casual na hora do almoço. O platonismo então toma conta e o desejo fica ali na mente, pulsando fraquinho, só te lembrando de mais um “amor” para a lista dos que jamais serão vividos nas ruas de sua cidade.

Buk e o plano de vingança

Nessas épocas em que a pirataria era clássica e desonesta, os corsários eram considerados o lado ruim pela classe burguesa, entretanto eles tinham estilo, eram bastante ousados e sempre sedutores. Suas roupas mendigavam por uma costura, uma limpeza simples com uma escova que fosse, e estariam fardados como qualquer oficial do Principal Comando da Nação. O Capitão surgiu no meio dos destroços de seu indômito navio. De onde estava a cena pode ser descrita como um homem forte e triste que sobreviveu como que por milagre. Retirou um pedaço de beiral da cabine que atravessava seu caminho e ergueu o corpo completamente ferido. Sentiu uma pontada no braço direito, uma fisgada no pescoço e as pernas estavam pulsando na altura das coxas. Cambaleante foi até o que seria a proa e recostou-se em uma parte da grade de madeira que estava inteira. Olhando o horizonte soltou um grito de raiva, mais forte do que a dor que sentia e jurou vingança contra aquelas monstruosidades.

Não pode acreditar no que veio na sequência, avistou uma embarcação se aproximando e quem estava na gávea. Sim, o garoto encrenqueiro das aventuras passadas com aqueles óculos grossos. Ele nos trouxe até os monstros em uma oportunidade, vai me levar até elas de novo. E desta vez estarei melhor preparado, juro pela minha unidade de comando, irei vingar cada um dos meus homens e trarei os rabos dessas malditas “mulheres-peixes” de uma vez.

O Capitão foi então resgatado por um navio mercante, homens de diversas estirpes estavam a bordo e vieram procurar pelas embarcações destroçadas para ver se ainda teria alguma pessoa viva. Aportaram na praia de Bela Mar, um vilarejo pequeno e totalmente devoto ao Principal Comando da Nação. Os moradores eram humildes pescadores que haviam recebido novos barcos e equipamentos para pesca, e para tanto faziam vista grossa às estripulias que os oficiais participavam noite adentro com as mundanas no único bar da região. Ali também eram feitas algumas reuniões clandestinas para as conspirações de poder do Capitão e seus homens. E em teoria essas conversas não chegariam ao ouvido dos Governantes Imperiais da Nação. Ao atravessar a porta foi até o balcão do bar e falou no pé do ouvido com um sujeito de ombros largos e cabeça quadrada que lembrava um ogro, caso você já tenha visto algum sabe bem como é. O homem se retirou limpando as mãos em um trapo sujo e jogou no balcão. Alice, o ogro chamou uma mulher que usava bandana vermelha sobre os cabelos também vermelhos. Cochichou algo para ela e com um ar sério ela se retirou do bar sumindo por umas horas.

E lá estava Buk, o jovem que se metia em encrencas sem saber como, tinha as mãos amarradas para trás e dois trogloditas, um de cada lado para assegurar que não fugiria. O Capitão se aproximou já todo enrolado com faixas e curativos pelo corpo. Maria Gancho é a senhoria desse bar, é uma velha amiga, e conseguiu me deixar quase novo, não acha meu jovem? Perguntou com um sorriso feio na cara e apontava para o outro lado onde uma senhora baixa e gorda usando um vestido florido que a deixava parecida com um botijão de gás, atendia mais um freguês com um caneco de chope. Por que me prendeu, eu lhe ajudei, trouxe os homens para resgatar o senhor e sua tripulação. O olhar do Capitão para ele foi severo. Fez um gesto com a mão e Buk “Quatro Olhos” se calou na hora. O que não entendo é por que você sobreviveu. Participou de 2 ataques daquelas coisas, e conseguiu sobreviver aos 2. Um moleque esquálido como você, me conte tudo garoto, quero saber tudo o que viu naquela noite e por que elas te deixaram viver.

Ele olhou para o sujeito da direita, tinha uma face torta com um nariz grande que parecia ter levado uma tijolada na cara. O Capitão fez um gesto e o homem tirou um punhal da cintura. Buk esbugalhou os olhos e engoliu seco. Por favor senhor Capitão, eu lhe conto tudo o que quer saber. Nesse momento o ogro levantou o braço e Buk se encolheu todo já sentindo o golpe quando as cordas em seus pulsos se afrouxaram após a navalha afiada passar rente a sua pele. Ufa! Soprou aliviado. Ei Maria, traga um chope para esse garoto. Temos muito o que conversar, pode ser que hoje seu estabelecimento tenha que ter uma hora extra de funcionamento. E voltou a encarar o menino.

Buk não sabia onde estava se metendo. O primeiro ataque ele considerou como um azar danado, mas o segundo, com o que havia ocorrido na Ilha de Pedra, a Bruxa-Sereia disse que havia transformado-o em uma espécie de zumbi. Que em certos momentos iria sentir uma dor que se intensificava e a medida que sua barriga repuxasse sua vontade de sangue seria como a delas. Ele iria atacar para defender sua doutrinadora. Passou a mão na barriga e sentiu uma contração desagradável. Deu uma golada e a bebida gelada desceu cortando sua garganta. Engoliu uma, duas vezes seguidas, goles grandes. Enxugou a espuma com a barra da camisa puída e pensou se poderia contar todos os detalhes, se a Bruxa realmente iria saber caso ele a traísse. Eu não quero ser um monstro Capitão, quero minha vida normal de volta, mas eu posso sentir ela bem aqui. Levantando a camisa mostrou a cicatriz feia, grande e ruguenta. O Capitão prometeu ao garoto que iria ajudá-lo, no entanto era uma troca. Eles usariam o plano da bruxa ao contrário. Buk teria que atrair aqueles seres abomináveis para que o Capitão conseguisse sua vingança, com um detalhe, o baú. Quero o conteúdo do baú. Mas eu não sei onde ela o guarda e nem o que tem dentro dele, o grumete falou já enrolado pela bebida. O Capitão fechou a cara de novo para Buk. Não te importa o que tem lá dentro certo, eu sei e você tem que me prometer que não vai abrir o baú por nada. Vai conseguir ele para mim, e depois atrairá todas aquelas bruxas para que possamos acabar com elas.

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