E havia essa música gingada que era levada para dentro da cabeça fazendo os miolos pularem ao som dos sopros dos metais, em uma sincronia com a percussão e o teclado, o primeiro fazendo batidas leves e compassadas como o coração e o segundo criando uma experiência lúdica de dançar como se estivesse sem gravidade caminhando pelo universo. “Bem vindos ao movimento da livre expressão”, uma pessoa esguia usando uma cartola clássica segurava um microfone e empolgava o público balançando a outra mão acima da cabeça. Era um ser andrógeno, com o corpo comprido e agudo. Começou a se requebrar inteiro, criando um alvoroço ao seu lado, as pessoas gritando, levantando seus braços e batendo palmas, se agitando com seus corpos feito cobras em cio.
Agora a batida segurava o êxtase do momento, ouviam-se gritos masculinos, ouviam-se o entusiasmo das meninas, a cadência débil do triângulo e do sino. Sax, alto e forte, trazendo outro ritmo, agora mais alegre, abafando os gritos e os beijos apaixonados das pessoas abaixo no salão. Uma mulher agitava a longa cabeleira negra e cacheada acima de sua saia rodada. Era uma peça muito bonita que chamava a atenção pelas cores e desenhos, formando arabescos, tribais indianas, formas sinuosas e regulares. Então a cabeça era levada a fazer essas manobras engraçadas, casando com o um, dois e três da música, especificamente aquele instrumento comprido e cheio de teclas que produzia um som metálico, as vezes chocante, outras como uma trilha sonora de um filme de mistério e espionagem no meio do espaço sideral. Luzes coloridas riscavam do teto ao chão criando instantes de tempo únicos, alguns mais lentos, outros mais intensos, os seres ali vivendo esses tempos com seus corpos feito cobras em cio.
Tudo transcorria muito alegre. As vibrações energéticas de todo o lugar eram positivas, o mundo inteiro pulando em uma só sintonia, e quando isso ocorre, costumam dizer as lendas que em um universo de energia, basta uma única e simples oscilação para fazer a corda do tempo tocar de forma distinta. Agora as pessoas emanavam tanto disso em tons de azul, vermelho e verde, linhas finas como fios de cabelos formando um desenho de ondas gigantes como as de cordas de um violão sendo acalentadas por aquele fabuloso músico de jazz. Outras entidades ouviam, outros seres captavam com arrepios tudo aquilo, deixavam-nos curiosos, quanto poder podiam sentir vindo de um ponto singular do espaço, só pelo fato de ouvirem a mesma música, de se entregarem sem vergonha, de se conduzirem a uma orgia sonora, de copularem com seus corpos feito cobras em cio.
Através desses sinais harmoniosos, algo como vôo de pássaros migratórios, o peito de todas as pessoas se juntavam em uma corrente holográfica, apesar de termos ouvido relatos de pessoas que podiam sentir seus corações criarem acoplamentos com essas ligas, a forma visual como canos plásticos translúcidos e com as mesmas cores verde, vermelha e azul de sempre. Esses sentimentos eram bons também, sorrisos eram compartilhados e olhares também. Os olhares se fecham com o movimento da cabeça para cima, apenas os sorrisos agora brilham. Em um breve momento, talvez nem uns poucos segundos, quando se sente a falta de ar, não entra nada pelo nariz, então o peito dá uma pequena batida, parece medo, ou ânsia, ou ambos. Uma luz intensa invadiu o lugar onde milhares de pessoas aglomeradas misturavam seus ossos, musculos, sexos, suores, afetos, e nenhuma delas soube o que aconteceu depois, naquele marco de suas existências, quando a luz se apagou. O último brilho que você vê, será que é de uma estrela que já viveu a tanto tempo mesmo, ou é algo vivo, em movimento rasgando o céu inteiro deixando rastros como as caudas das pessoas que usam suas línguas para sentir o tempero gelatinoso e aquarelado das galáxias, com seus corpos feito cobras em cio.