Estava tudo ajeitado para aquela noite. Mais uma das inesquecíveis aventuras que aquele sujeito comprido, barba rala e com óculos enormes iria enfrentar. Usava a mesma toca da adolescência e ainda tinha a mania de anotar tudo em seu velho caderno de bolso. Se encontrava em uma ilhota de pedras e alguns cactos espalhados, que contrastavam com o que restava da verdejante Ilha Florida. O plano era o seguinte. Buk “Quatro Olhos” iria embebedar mais um dos soldados do Capitão. Colocando uma pequena mistura feita por Serena, a bruxa-sereia, ele deixaria o gigante Code, esse era o ridículo nome do camarada, como se fosse código em outra língua, completamente dopado. Levaria-o até a pequena praia dos Caranguejos Vermelhos e ali Estariam ela e suas outras duas irmãs, Durva e Nalhi. No final daquele encontro ele teria que colher os restos de ossos e limpar toda a lambança antes do amanhecer.
Peraí, mas é assim que começa essa história? Outros olharam para aquele sujeito que havia perguntado. Sim, é assim mesmo. O velho abaixou seu gorro sobre os olhos e continuam narrando com aquela voz cansada e rouca, castigada pelos cigarros de fumo de corda e o álcool. O grande lance com os casos é que um personagem também não sabe do outro, nem de sua vida, nem nada, até começar a conhecê-lo e dai supõe-se um montão de coisas que na maioria das vezes não tem nada haver com quem o cara é mesmo né. Enfim, não contaram ao Code que ele iria se encontrar com esse magricela na porta do bar, um lugar imundo e necessitado, onde escroques de todas as partes se reuniam para arrotar suas vilanias pelos mares afora. Era difícil não sair uma briga ou alguém não acabar tendo que beijar o céu mais cedo. Ou o inferno, quem sabe. De qualquer forma Buk já havia tomado quatro doses, o que para ele era algo grande, já que não era de beber quando jovem, e foi por todo um plano de sua mestra que ele se enfiou nesse vício. Ela garantiu pra ele que ele não teria nenhum problema, desde que se lembrasse de beber um líquido verde e espesso que ela havia preparado para ele, e que até então ao que parecia limpava todo seu organismo a cada extravagância cometida pelo nosso herói.
Ele estava temoroso pois Code era um cara grande em diversos sentidos. Devia ter uns dois metros de altura por uns dois de envergadura e seus braços pareciam troncos de árvores. Já suas pernas, bem, Buk imaginou como ele possuía forças para levantar tamanha rocha e caminhar. E as quatro doses para ele pareceram brincadeira de criança, ele não havia sequer ficado alegre, continuando com aquela expressão, hmm, sem expressão nenhuma. Buk se lembrou do saquinho com o conteúdo para baquear o grandalhão e tentou puxar uma conversa sem jeito, contando uma piada para lá de ruim, o que fez Code virar seu pescoço igualmente parecido com um tronco olhando para Buk e esboçar um leve sorriso. Tímido Buk se encolheu um pouco entre os ombros e se espantou com a velocidade com que Code virou o corpo e o agarrou com aquelas volumosas mãos fazendo-o parecer um graveto. “Ha ha ha!!!” Gritou bem alto entre as risadas, “Boa piada garoto! Ha ha ha” Sacudindo-o. Buk fez uma careta tentando ajeitar o gorro no meio das sacudidas, “Eu já tenho vinte de dois anos”, e Code o soltou continuando com a risada. “Ei Topacerto, serve esse garoto aqui. Ele vai tomar uma por minha conta, gostei do sujeito.” Abanando a mão parecendo um leque japonês, e depois se levantou. “Vou ao banheiro.” E saiu em direção aos fundos do lugar. Buk ficou tremendo um bocado seus ossos e viu o garçom que mais parecia um pássaro conhecido como Albatroz por conta de um nariz adunco e um tanto alaranjado. Ele trazia dois minúsculos copos entre os dedos esqueléticos, e antes de colocá-los no balcão limpou tudo com um pano que mais precisava de limpeza que o próprio lugar.
“Esse conto crianças, será maior que outros. Não se acostumem.” O garoto soltou um assobio e saiu correndo pela sala gritando que era uma sereia voadora. Sua irmã entre risadas foi buscar mais chá e bolachas com a avó que estava encostada na mesa vendo a cena e pensando que nunca se cansava daquilo. O velho enrolou outro tabaco e acendeu em uma vela derretida. Nesse momento, ele continuou entre pigarreadas, Buk olhou com cuidado para um lado e depois para o outro, e retirou o saquinho de seu bolso, e virou um pouco para o conteúdo começar a escorrer quando um outro cidadão lhe deu um tapão no ombro, felicitando-o. “E ai, como vai o sujeito mais sortudo que já apareceu por essas bandas, o eterno grumete Buk “Quatro Olhos”, único sobrevivente de um ataque dos monstros marinhos.” Falava entre um sorriso banguela, deixando uma gota de cuspe escapar nos óculos de Buk. “Oi-oii…” Buk retirou os óculos, limpou na camisa e colocou-o de volta… “Oi Caravelas, como você está?” Esse era um dos pilantras mais conhecidos pelas Sete Ilhas do Continente. Ele havia cruzado com Buk quando jovem, foi um dos sujeitos que por muitas jóias do Primeiro Comando da Nação, topou fazer parte da décima segunda empreitada de captura as sereias, essa claro, fatídica para praticamente todos a bordo. Porém ele não foi, quando o navio estava partindo, estava mais bêbado que um porco fazendo festa na lama. Dormiu e acabou se safando, e quando contavam a história, diziam que ou era um sujeito de sorte ou um bêbado covarde. E por conta desses movimentos e esse papo todo, Buk despejou sem querer todo o conteúdo na bebida de Code, na sequência derrubando o saquinho no chão, esse caindo escondido atrás do pé do banco. No minuto seguinte Code já estava junto aos dois, viu seu copo e empurrou o de Buk brindando. “A você jovem, muito engraçado.” Caravelas tentou se apresentar fazendo uma piada, mas foi completamente ignorado, Code já tomando sua forma de montanha impassível.
“Você está maluco?” Caravelas reclamava com Buk sobre aquela situação toda. “Como vamos levar aquele cara para a praia, ele deve pesar uma tonelada! Fora que ainda não entendi por que tenho que me meter nessa?” Buk estava irritado e andava de um lado para o outro tentando pensar em uma solução. “Foi você quem me fez derrubar todo o sonífero na bebida dele. Era para ser só um pouco, mas se não fosse um desastrado…” E esfregava as mãos e depois limpava os óculos. Ainda assim, não me contou por que dopar o grandalhão. Buk furioso parou na frente de Caravelas com o dedo em riste. “Olha aqui seu…” Depois se lembrou que não era esse tipo de pessoa, mesmo obedecendo cegamente a bruxa-sereia, ele não era um sujeito malvado. “Olha, você precisa me ajudar ok. Ele tem bastante dinheiro, e você pode ficar com tudo, mas preciso levá-lo a praia, e agora!” Quando a palavra dinheiro entrou nos ouvidos de Caravelas seus olhos brilharam e ele nem se importou de verdade com o motivo, iria fazer pela grana prometida. “Está bem, vamos lá. Vou arrumar uma carroça, espere aqui.” E saiu correndo por trás do bar. Buk voltou ao estabelecimento que já se preparava para fechar, com o grandalhão desmaiado sobre o balcão. O atendente também enervado ralhou com Buk. “Tira logo esse cara daqui, se descobrem que tem um sujeito da guarda particular do Capitão aqui, acabam com meu bar!” Buk abraçou Code abaixando a cabeça para o garçom. “Me desculpe, é que meu amigo é um tanto fraco para bebidas… Já vou ajudá-lo a sair.” E tentou levantar Code, mas esse sequer se mexeu. Bufando pela boca, tentou dizer algo mas não saiu nada inteligível, e Buk pensou se o efeito do sonífero estava passando. Pensou consigo mesmo “anda rápido Caravelas!”… E este entrou correndo pelos fundos do lugar gritando por Buk. “Pronto cara, vamos carregar nosso… hã… amigo.” Os dois com muita dificuldade levantaram aquele corpanzil, e lentamente arrastaram-no para fora. “Mas o que é isso?” Buk apontava para uma pequena carroça de madeira puxada por um jumento. “Hora, você quer levá-lo a praia certo?” Buk coçou a cabeça. “Era a única coisa fácil de roubar, estava parada do outro lado da loja de ferragens do Chico Melento… Se ele descobre me mata!” Deu uma risadinha. Fizeram um malabarismo e levaram bons minutos para acomodar Code na minúscula carroça, o bicho quase se enforcou sendo inclinado pelo arreio. “Bom, vamos soltar o animal e empurramos a carroça. Com as rodas fica mais fácil.” Disse Buk a Caravelas já ajeitando o corpo para a ação.
Havia outro problema, que Buk não considerara ainda pois estava suando em bicas para empurrar Code pela areia fofa. O que fariam com Caravelas, as três bruxas quando o vissem. Enfim, ele não tinha pensado nisso e demoraram alguns minutos até chegarem ao local marcado. Faltava pouco para amanhecer e ele viu as três irmãs impacientes recostadas em uma grande rocha na beira-mar. Dulva e Nalhi ficaram paradas olhando Serena caminhar até seu serviçal. Ela não disse nada a ele, nem precisava, com o olhar ele sabia que estava encrencado pelo atraso. Tentou se justificar mas saiu tudo gaguejado como sempre em frente a ela. “Ele era m…m…muito grande, m…m…minha senhora…” Caravelas sem entender o que estava acontecendo foi logo fazendo um cortejo. “Hum que bela dama perdida nas praias floridas hein…” Serena nem olhou para ele, segurando-o pelo pescoço levantou-o do chão se virando para Buk e falou “Você nos trouxe um brinde, por isso demorou?” Buk olhou espantado para a cena, nunca se acostumaria com aquilo. O ataque das bruxas-sereias não era nada bonito de se ver. Sem ter tempo de entender sua própria morte, Caravelas sentiu as unhas da sereia rasgarem seu pescoço e ela o lançou para as irmãs. As duas em forma monstruosa pularam em cima do infeliz e fizeram um estardalhaço. Serena se aproximou de Code e alisou o seu cabelo. “Bem meu querido marionete, esse daqui é um peixe grande…” Olhou para Buk salivando. Quando ouviram um disparo e gritos se aproximando. Serena não teve tempo de atacar Code, apenas passou suas unhas sobre o peito dele, se aproximou de Buk e falou em seus ouvidos. “É uma armadilha, você me traiu meu pequeno?” E ele se reduzindo perante a forma dela, balbuciou que não. “Eu acredito em você.” E outro disparo foi ouvido e dessa vez ela pode ver o Capitão e mais três homens grandes (não tanto quanto Code) vindo em direção a eles. “Vamos, vou te tirar daqui.” Ela agarrou Buk pela mão e foram correndo em direção ao mar. As irmãs estavam se banqueteando com o pouco que ainda sobrava do esqueleto de Caravelas e foram alarmadas por Serena. “Vamos irmãs, teremos que voltar outro dia, o Capitão está um tanto bravo hoje” e soltou uma risada maléfica.
Eles não conseguiram alcançar as bruxas e viram quando elas arrastaram Buk para o mar adentro. “Como aquele filho da mãe consegue sempre escapar!” Exclamou o Capitão jogando seu chapéu ao chão. Code começara a despertar ainda encaixado na minúscula carroça fazendo a cena ser um tanto jocosa. A lua já havia desaparecido dando lugar ao astro amarelo e eles não teriam notícias de Buk “Quatro Olhos” mais naquela cidadezinha.