Agora a coisa complicou. “Vem, precisamos fugir!” Olhos arregalados para todos os lados, seu braço magrelo naquela mão gigantesca levando-o por túneis debaixo da ilha. “Vamos para o continente. Trouxe você para minha casa por que achei que seria mais seguro. Eu estava no primeiro barco que foi atacado, não creio que se lembre de mim, já que não falou nada”. Buk “Quatro Olhos” mal tinha tempo de ajeitar seus óculos e só desviava dos barris e caixas que seguiam pelo caminho. “Chegamos a um bote que tenho para, enfim, esse momento.” Buk o encarou. “Eu sabia que um dia isso ia acontecer garoto. Estava lá naquele maldito navio, as bruxas-sereias atacaram, uma delas tentou fazer comigo o que a irmã fez contigo!” Buk usou de uma força que nem sabia que tinha e puxou seu braço com força. O homem assustado parou de correr e os dois ficaram se encarando por aquele momento lento e terrível que tornam as coisas mais dramáticas do que deveriam ser. “Ok te conto tudo mas precisamos alcançar logo o meu barco. Se não chegarmos ao continente, ela te pega!”
Nesse momento Buk falou algo que deixou aquele cara daquele tamanho bobo feito criancinha. A expressão de incredulidade em seu rosto, só teve coragem de perguntar o por que. “Eu não sei. Tenho sentido essa vontade sabe…” Parou de falar e abaixou os olhos. O sujeito afagou o ombro de Buk e falou para continuarem lá fora. Chegaram ao barco. “E a garota que estava cuidando de mim?” Buk perguntou. “É minha filha.” Ele respondeu. Desamarrou a corda e empurrou com força o pequeno monte de tábuas água adentro. Somente um remo e um balde enferrujado de metal. “Talvez eu devesse ter cuidado melhor dele”. Buk estava amedrontado ali dentro. “Mas de verdade não pensei que aconteceria, apenas no dia em que subi naquele maldito navio para fazermos a caçada e levamos aquele choque é que as coisas mudaram…” Agora ele era quem abaixava os olhos. “Eu devia ter precavido melhor.” Buk se ajeitou na tábua que fazia de banco, e sentou-se. “Ela não corre perigo?” O homem levantou a cabeça e puxou o remo pro seu lado. “Uma mulher sabe lidar com uma mulher. Mesmo que ela seja metade peixe.” E Buk completou no pensamento, ainda assim era uma mulher.
No entanto uma bruxa-sereia não se considerava nem humana, nem outro ser que não algo superior a espécie humana. Serena destruiu o casebre e a filha daquele homenzarrão não sobreviveria para cuidar de seu velho pai. Ela saiu na forma humana de dentro da casa e olhou para o oceano. Pôde ver ao longe a minúscula imagem da embarcação, com os dois sujeitos lá dentro, remando desesperadamente. Ela sorriu de esguelha. “Esse jogo de gato e rato, começa a ficar mais interessante…” Voltou ao mar e assumiu sua verdadeira forma. Sua calda brilhava mais ainda, ela queria mostrar que os perseguia, que o que eles enfrentariam era como um desses bichos que emitem luz para avisar que são perigosos.
Buk sentiu um puxão na barriga. Olhou para o sujeito, nem haviam se apresentado, toda aquela correria e não teve tempo de tirar as mil dúvidas que rondavam sua vida, desde o fatídico primeiro ataque. “Eu acho que ela me possui…” Falou quase sussurrando e sentiram uma batida no fundo do barco. Os olhos deles ficaram alertas, o fulano levantou o remo para dar um golpe e deixou o braço descer com força na água, espirrando para todo lado o líquido salgado do oceano. Buk recuou e foi agarrado pelas costas. O movimento imprudente do grandalhão fez a água se agitar e a bruxa teve tempo de subir junto com o estouro da água, o homem não foi rápido o suficiente e Buk já estava no mar com a sereia olhando feroz para ele. “Não adianta fugir meu jovem, já te disse, você é meu!” Ela soltou o garoto e mergulhou. “Me ajude, me ajude!” Buk gritou em desespero mas só pode ver o barco receber uma, duas batidas e virar com aquele homem gigante caindo na água. A sereia saltou, deu uma piscadinha para Buk e voltou a afundar dando batidas fortes com a cauda. Estava acabado. Ele alcançou o barco virado para apoiar e ficou procurando pelo próximo movimento. Curiosamente a água em seu entorno ficou quieta. Nada se movia. A noite escura, a lua abafada pelas nuvens, ele não ouvia nem via mais nada.