Não é a questão de “gostar” de ser vagabundo. Acredito que minha mãe não teria orgulho de ver seu único filho homem ser um escroque, um andarilho pedinte pela vida. Também vivemos tempos bem diferentes daqueles em que vagabundos eram glamourizados em livros e filmes, com suas histórias de aventuras, de viagens clandestinas em trens por paisagens bucólicas, de mendicância pelos bairros burgueses das cidades grandes. Fora as suas próprias condutas morais, consigo, dentro de sua cabeça, um lugar que não pode fugir ou se esconder, então terá que enfrentar a vergonha, a humilhação, a desconfiança e a avareza das pessoas. E descobre aos poucos que quem mais ajuda o outro, que segue aquelas palavras religiosas de compaixão e caridade, são os pobres, os que na maioria das vezes não tem nem para si próprio, contudo repartem de bom coração aquela pouca comida guardada em marmitas de isopor.
Independe das escolhas, a instituição já engoliu o ser humano, é mais forte e brilha como um pote de ouro no fim do arco-íris. A ilusão de que todos poderão tocar aquele tesouro, possuir coisas, supondo que isso seja a razão do sucesso de alguns, fazem esse sistema encher sua barriga de sentimentos falsos, de pessoas que passam por cima das outras pelos bens que possuem, colocando o ser humano numa escala perto da barata, um ser rastejante e nojento, sem apreço nenhum de ninguém. Algo ambíguo, pois tanto um mendigo quanto um milionário podem cruzar olhares e por suas histórias, suas personalidades, descobrem que são da mesma espécie, sendo que a barata rica, simplesmente atropela a barata pobre e segue seu caminho cego pela materialidade das coisas.
A opção por não querer trabalhar na rotina e viver uma vida mais “leve”, sem as obrigações que foram impostas por essa sociedade, levam a tantos caminhos possíveis como para quem estudou e se formou advogado por exemplo. O problema é o preconceito e a falta de compaixão, em ouvir e crer nos eventos que seriam fantásticos demais, caso não pudessem ser comprovados. No meu exemplo era difícil fazer as pessoas entenderem minhas escolhas presentes e que eu já havia sido um professor “coxinha” na capital paulista. E as pessoas te olham perguntando “por que largou uma carreira teoricamente estável, uma mulher linda e amável, bens materiais que muitos batalham a vida para ter”, para se tornar um mendigo louco, um andarilho que fala sozinho e resmunga para os lados balançando a cabeça e os braços.
Muitos me vêem assim, outros como um cara que largou tudo e agora é “hippie” (em pleno século XXI, não tenho nem tempo pra isso, com todo respeito a esse movimento de contracultura), outros me vêem ainda como aquele que fui a quase 5 anos atrás, esse professor em uma grande faculdade, com valores que hoje para mim são deturpados. Eu seguia a massa como a maioria faz. De bom mesmo sobrou a vontade de trocar, de lecionar, de pesquisar e continuar aprendendo. Desde então não exerci uma profissão assinada pela constituição nacional. Gosto de ser artista, de produzir meu próprio trabalho, todavia detesto a pressão de ter que provar o tempo inteiro que sou bom nisso ou naquilo, competir o tempo inteiro e subir ao topo de um rank que é tão falso quanto o “feliz natal” nas noites de 24 de dezembro.
E apesar de não ter o glamour do passado, de tempos mais pesados e mais preconceituosos, ainda assim prefiro sair pra rua e curtir uma praia sem saber qual a aventura do dia, do que estar lá dentro daquele escritório trancado debaixo de um ar gelado como os olhares das pessoas, criando coisas que são inúteis, e que apoiam outras criações inuteis, fazendo todos acreditarem que necessitam daquilo para serem melhores e mais felizes. Sinto muito, não precisam não, apesar da escolha ser pessoal, uma coisa que aprendi nesses tempos de “vagabundagem”, é que independente de onde nascemos e como vivemos, iremos para o mesmo lugar do mendigo louco e teremos que dormir eternamente do lado de pessoas que você tem tanto preconceito hoje.