Você sempre ouve conselhos do tipo que “aprendemos mais com os erros”, “não há vida só de prazer”, “você tem que se acostumar a sofrer, ou a trabalhar”, coisas assim. É parecido quando você está absorto em um filme, perdido na ideia clássica de princípio, meio e fim. Sendo que no meio acontecem os ápices dos problemas, que em teoria irão se resolver no fim. A dificuldade de transportar isso para a vida real é que às vezes não dá tempo, não há sobra para o fim, e sei lá, não quero ter 85 anos e olhar pra trás e pensar, caralho, o que foi que fiz. O terapeuta deu duas batidinhas com a caneta em sua prancheta e Sara abaixou os olhos. Me desculpe, falo muito palavrão né. Aliás falo demais. Ele sorriu sincero. Você me procurou Sara, você tem algum motivo para estar aqui, precisando de algo, mesmo que seja só desabafar, certo? Ele perguntou mantendo o sorriso tranquilo.
Sem os pais a garota perdeu mais que fisicamente duas pessoas importantes para sua vida. Ela passou a não entender as necessidades impostas pela sociedade, por que os viu morrerem ser ter tido tempo de realizar seus sonhos, aqueles que eles viviam planejando fazer quando Sara estivesse pronta para enfrentar o mundo. Teve exemplos próximos de comportamentos bizarros, conversas falsas, fofocas entre parentes, apontamentos e afastamentos de indivíduos e amigos que ela julgava serem pessoas de bem. Infelizmente não eram. Cresceram os olhos pra cima dela, tiveram atitudes que a fizeram se sentir muito mal, e a terapia lhe dava força para continuar sua vida até estar pronta para partir em sua viagem.
Depois de uma hora e encerrada a sessão Sara tomou coragem e chamou seu terapeuta para um café. E apesar de ser anti ético segundo os moldes sociais, ela ainda iria discutir muito sobre esse assunto que virava e mexia, voltava a incomodá-la. Pelo fato de todos sermos farinha do mesmo saco, por que diabos é tão difícil viver sem competir, sem brigar, sem querer mais que o outro. Ele foi. Com algumas ressalvas. Sentaram em uma mesa do lado de fora em um lugar tipo uma varanda, e ali beberam e continuaram a conversar. A terapia sempre o seguia, mesmo que tentasse ter uma conversa informal sobre o tempo que fosse, acabava virando alguma neurose alheia.
Contudo a menina conseguiu quebrar o gelo e depois de um gole de um frappuccino docinho, não havia mais terapeuta e cliente, se tornaram conhecidos, e agora não era só mais uma questão moral, ultrapassaram todos os limites e se beijaram lentamente.
Nesse dia uma nova manifestação surgiu para Sara, depois de tantos monstros estranhos, exteriorizações horripilantes, algumas que ela nem conseguia distinguir, surgiu uma nova aberração. Ela ficou um tanto curiosa pois não ficou com medo ou nada assim, essa criatura que interagiu com Sara a fez ficar tranquila, rindo a toa, com boas lembranças daquela tarde. Alegria parecia com um coelhinho preto e um coração enorme.